sexta-feira, 8 de maio de 2009

* MARÇO DE 2008

Frases soltas presas ao tempo 6 de Março

a confusão ardia
noites quentes
ventos de calmaria
mormaços de joanas e marias
bêbadas madrugadas sem fatias
tempo do presente não tão perfeito
olhares sem garantias
orações sem leitos
saudade tatuada em folhas de samambaias

Frases soltas presas ao tempo II 6 de Março

o café desenhava as olheiras
nos beirais não havia pássaros
os cantos vinham da cozinha
onde Dolores cozinhava o fardo

cada palavra abocanhava um fato
como se ali fosse o início deste silêncio
o que dizia alto não me falava nada
e Dolores continuava a cozinhar o fardo

depois de algum tempo ele me disse:
"passamos a vida cozinhando..." num gerúndio expressivo
que marcava a ferro e fogo nossa pele.

Insônia 11 de Março

canecas de café
rede na varanda
a noite varada
olhos abertos
cabelos em pé
dentifrícios de menta
nas bocas dessa noite
um beijo de halls confunde o relógio
as meninas dos olhos brilham
ao degustarem minuto a minuto esse silêncio
Quirina serve uma dose de conhaque no café de Dolores
e ela bebe num gole só
o pão é dormido
cubro com uma manta de anos atrás
meu próximo passo
e agora tento sonhar

O cansaço 11 de Março

o cansaço domina
minhas palavras
meus passos
meus sonhos
o cansaço domina
meus acasos
meus caminhos
meu sono
o cansaço domina
meu cansaço
o cansaço domina
meu domínio
o cansaço me faz parar
o cansaço me faz par
o cansaço me faz pa

água no rosto
banho frio
pernas para o ar

a felicidade muitas vezes é um descanso

corro até ela, então...

Cirandas de Março 24 de Março

os bailes da lua março
que em mares de águas azuis navegam
são bailes de minha saudade
que não sossegam

que valsam em meio às varandas
e que despertam sonhos velados

Silêncios de Março 24 de Março

minha poesia, muitas vezes, esconde minha fala
entorpece
anestesia
é cúmplice da atmosfera que cala

o que percebo, agora, desatina o que já tinha e mistura o
que já era tudo, o que era certo - com gotas fatais de alquimia

o que me devora também alimenta

Quadrinha de Março 24 de Março

Nessa rua mora um tempo
que se chama coração
dentro dele mora a saudade
e um mapa de navegação

tem um mar na minha rua
que já foi embarcação
hoje sonha na varanda
e embala a solidão

Olhares de Março 24 de Março

águas vêm de repente
tomam conta do rosto
lembram agosto
e chamam lenços

Dolores escuta músicas chorosas
colhe abandonos, temporais e rosas

Quirina é tempestade
inunda o jardim, zomba da felicidade

águas que vêm de repente
são lágrimas entre chuvas antigas
filmes que marcam uma vida
como fosse a vida cenas reinventadas

meus olhares
muitas calas
poucas falas
mensagens e mares

o que não vejo "me" fita sem tempo

Quintana e a solidão 24 de Março

Quintana tomou chá comigo na Páscoa
Trouxe biscoitos e um papel de chocolate com um escrito seu
Tomamos chá, sumimos por instantes e mostrei um escrito meu

num ninho próximo
um coelho cochilava
sem a mínima noção do tempo

Quintana sorriu, despediu-se e aconselhou
colocar rum no chá...

Hiatos de Março 25 de Março

a saudade é um mar
onde levo minha embarcação
e de tanto remar
aprendi a conversar com a solidão

A hora 25 de Março

minha explosão se faz tardia
mas dentro dela já há um mar
dedais escondem a imensidão
o tempo é apenas uma questão

talvez a explosão já tenha iniciado
pois encontro cacos entre o céu e o chão
preparo terreno e as águas
é preciso nesse momento ter embarcação

Colheita de Março 26 de Março

Disse que não era tempo de escolher sementes
era tempo de semear rapidamente
pois depois algumas das sementes verteriam o fruto bom
e a verdade, outros frutos mentiriam descaradamente, ficariam sem gosto e cairiam no chão

o paraíso é uma reinvenção de um fruto
as maçãs da tua face respondem a pergunta que eu não fiz

Queimas 26 de Março

és um toque de quero mais
num sol intenso
que diz "não quero" querendo

as manhãs tomam formas de copos
e bebem minhas poucas palavras

em braile acho tua nuca e a beijo

As linhas de Março 26 de Março

Permita-me a inconstância dos dias
folhas de outono disfarçam as folhinhas do calendário
Verde já foi a cor da minha esperança, hoje amadureci

Hoje fotografias amareladas colorem canteiros
em meios que não se justificam

o outono permite o passar das folhinhas

Cores de Março 26 de Março

Semáforos vermelhos e olhos sem cor
Cores verdes despistam o amor
O que fora semente proibida
Dali nasceu a flor

Semear sem atenção faz amarelar o jardim
e quem disse que o amarelo não pode me fazer feliz?

("que seria do amarelo sem o verde" justifica Dolores, pensando que havia criado a frase agora)

Cafés de Março 26 de Março

escrevi saudade na margarina
bebi assim café contigo

Silêncio 27 de Março

todo o silêncio vem de um grito
o eco é calar demais
os riscos de minha mãe
disfarçam o meu destino
que nunca pode ser lido

a rua inteira da minha vida
corre e refugia-se em uma varanda antiga

a rua inteira da minha vida
percorre o meu hoje e faz figa

todo o silêncio vem de um grito
mesmo que o grito não precise gritar

Mapas 27 de Março

havia sinal de letra trêmula
era um bilhete que dizia mais do que a palavra
intenso ao abrir o envelope
e me esconder nele por vários dias
o que eu lia me fazia perder o rumo
e ao mesmo tempo
o que eu lia me fazia lembrar de um mapa
ampulhetas ensaiavam uma sinfonia
eu entendia a música
mas não a escutava

Solidão 27 de Março

é tarde
a noite arde
é pressa
a lua cresce
é madrugada
a nuvem passa
é frio
o conhaque aquece

e um estopim brinca à beira de uma fogueira

Tudo ao seu tempo 28 de Março

o que estava tão longe vê-se à beira
um toque agora desenha o encaixe
com peças de um quebra-cabeça
guardado pelo tempo
um relógio quebrado não retarda hora alguma

tudo ao seu tempo
e o amor não é cúmplice do meteorologista

Pescaria 28 de Março

a tarde cai feito um corpo
deita no mar
vira engodo

e a noite é assim pescada
com linhas do teu horizonte

Enganos 28 de Março

a possibilidade confunde a verdade
atalhos provocam a mentira e a clareza
o perfume engana a fome
e tuas desculpas não põe à mesa

Lágrimas de março 28 de Março

veio agora de noitinha uma brisa vindo do mar
trouxe junto com teu perfume um mapa para velejar

velas abertas movimentam a vida
velas acessas clareiam o mar

e os ventos
em todos os casos
são paixões

Perfil 28 de Março

alimenta-se de luas
repete o prato
inventa
parte
supostamente é exata
aparentemente encaixa
deixa dúvida na pergunta
mistura as respostas

alimenta-se de porém
parada vai mais além
repete a frase
que não foi dita
supostamente é feia
aparentemente bonita
deixa lágrimas na varanda
mistura as lavandas

Desertos 31 de Março

um copo de tempestade mata a sede desse deserto
um corpo árido pede chuva, recebe lágrimas e brota
dentro de um caleidoscópio um atalho certo
entre espelhos, mapas falsos e possíveis rotas

o que me faz ver melhor agora me faz perder
se intenso perco o senso
se calmaria perco o sentido

minha boca é um deserto
quarenta graus à sombra
minha febre tem teu calor

um copo de tempestade também pode matar minha sede

Desencontros 31 de Março

falava-me de luas enquanto eu dormia
ao acordar com um sol intenso não estavas mais
pelos detalhes sentia tua presença
quebra-cabeças com peças tão iguais

Hiatos e vôos 31 de Março

em pleno vôo sem teto
acordar nas nuvens
como fosse a vida
um paixão sem pé nem cabeça
mas dotada de alta definição

teu céu tem minha cor
sabemos das nossas terceiras intenções
e invadimos a frase do outro
somos os fins das nossas orações

Fomes 31 de Março

era inevitável a queda
frente ao vazio que se fazia
era café sem bolacha, sem fatia
era fome o que o coração mostrava e dizia

era inevitável o pranto
frente ao exposto
era lição sem cartilha
era um mar imenso sem nenhuma possível ilha

era inevitável o fim
frente ao penúltimo capítulo que se escrevia
era final feliz sem nenhum par
era romance sem nenhuma poesia

a fome comia...

Imagens 31 de Março

Fotografia no meio de um livro
3x4 sem data
varinha de condão sem fada
recado de amor sem destinatário
a lua em aquário e
um peixe sem mar
descrevem um capricorniano

- Que lua... que lua... comenta Dolores, rindo com Quirina na
cozinha...

Os outros 31 de Março

nem respondia
colocava reticências
em tudo
no café
na broa
no chá
na água
no bife
na batata
na cerveja
reticências para adoçar
reticências para salgar
reticências para falar de hiatos, de sujeitos, de objetos
reticências para calar
reticências para gritar
chamava de feitiços
essas reticências
que poderia usar qualquer que fosse a hora
e te tanto comer e beber reticências
já não mais podia entender a intensidade do momento
e um dia, sem frase alguma para dizer, enfeitiçou a própria primeira manhã, resolveu dispensar as reticências e começou a escrever um romance

Nenhum comentário:

Postar um comentário