terça-feira, 12 de maio de 2009

* JANEIRO E FEVEREIRO DE 2009 - Diário de Casablanca

Diário de Casablanca
Entre Torres, Campeche e Canto da Lagoa
Poesias de Janeiro e Fevereiro de 2009



De uma hora para outra

De uma hora para outra o avesso virou fato
Uma outra realidade onde o destino deu na vida um trato
A realidade perdeu a hora, o tic, o tac e a confiabilidade
Numa mistura de toques perdemos também a neutralidade
Mas ao contrário do que parece o céu ficou muito mais claro
O que era difícil de encontrar de repente já não era mais o raro
Sempre fui acompanhado pelo perfume da felicidade
Apenas havia perdido o faro

Comprometimento e pluralidade

Há um silêncio na linhaque costura minha voz
uma rede de retalhos
agulhas e tantos atalhos
uma rede que balança,
que desanda
e que é feita inteiramente de "nós"

Prevalecimento

Contudo, ao ver a noite fechada
cantou por toda a madrugada.
Esperava que assim o beijo fosse a chave de tudo,
mas se esqueceu do segredo.

E partiram, copos e corpos celestes,
em uma noite que até hoje não mais abriu.

Par perfeito

O par não é preciso
Não tem um único jeito
Rotular “par perfeito”
Pensar assim não é direito

Diga-me
O que é um par perfeito?

Mas não esqueça menina
Dos momentos mais do que perfeitos
Luz de velas, vinho tinto seco, música
Carinhos intensos e sem ter fim

Tatuagens no coração descolorem
O destino usa raio laser

Mas não esqueça menina
Dos momentos mais do que perfeitos
Banho de mar na madrugada,
Lua cheia cobrindo o mar,
Sede de vida, fome de amor
Bergman, Wilander, Kurosawa

Diga-me
O que é um par perfeito?
Não faça esse jeito de triste
Sabes linda menina
Par perfeito não existe


Entendimento

Todo o entendimento necessita de tormento, de vento, de transformação todo o entendimento necessita de lamento, de tempo, de interpretação todo o entendimento necessita de perdas, de tristezas, de inquietação

Entender é um barco que parte e precisa conhecer todos os segredos do mar. Demora um pouco esse navegar, mas depois... águas claras, como se fossem espelhos da felicidade.

Sobre o amor

Ao ver o mar mergulho e sempre mergulharei.
Como ter sede de mar e não naufragar algumas vezes?

Verbos e vírgulas

O que nos prende, preenche?
o que nos entende, estende?
o que nos confunde, ilude?
o que nos permite, persiste?

A linha que separa o "sempre feliz"
do "cada dia mais triste"
é tênue... vive e morre num beijo...

Capitu

Quando conheci Capitu
capitulei
desenganei

a confiança é um conto
um Machado afiado
uma colcha de retalhos
com bainhas de linho

quem nunca se sentiu Bentinho?

Considerações

A lua cantarola
e eu finjo que não a escuto
o luar sabe da minha tristeza
e usa luto


Considerações II

Havia um sentimento que não fazia muito sentido
um dito não dito
um verniz no beijo, no amor
e em outros bens perecíveis


Considerações III

Que lua inteira que trinca?
que taça inteira que brinda?
que lua inteira que brinda?
que taça inteira que trinca?
que lua taça é essa que nos bebe
e que nos corta?


Canto


Quando me separo vou para o Canto
quando me desgarro vou para o Canto
Meu lugar comum é um tanto sozinho

Perde-se os mapas, as bulas, ganha-se olheiras
minhas chuvas caem intensamente em tuas plantações
e não queres colher

Depois vem a seca
e tuas lágrimas não renderão frutos

Quando "me" separo
"me" junto

Anestesia

Tua cor não anda nada bem
teu senso prático "non sense" é aquém
tua companhia infalível não vem
teu não sei é sim
teu gelo esquenta
tua marcha é lenta
tua certeza nem tenta

um hiato
um espasmo
um lapso
um traço

uma anestesia na noite que arde


As linhas

as linhas desenham imensamente os detalhes dos nós
o destino aperta
a vida aperta
a verdade aperta
as linhas amarram fortemente os detalhes de um amor
o destino aperta
a verdade aperta
a vida aperta

prender é uma forma de perder as linhas
prender é uma forma de afastar as pessoas
prender é uma forma de não ter

deixe as linhas livres
dê linha
deixe-se voar e deixe voar

só assim entenderemos o que seja "nós"


Ensaios

Pensou uma vez, pensou duas, pensou três
ensaiou no jardim o beijo
decorou as palavras e o olhar
intensamente abriu um sorriso que não tinha

E a moça não veio ao seu encontro
não mandou recado, nem ligou,
nem sinais de fumaça,nem garrafas com mensagens,
nem ventos, nem gritos, nem desculpas esfarrapadas

Deixou um beijo perdido no jardim
As palavras decoradas jogou para debaixo do tapete
O sorriso que nunca teve deixou no banco da praça
(e a moça tão conhecida minha disse-me em tom de desabafo:
nenhum jardim pode ser transformado sem desejo...)

Um dia contarei o segundo capítulo dessa história de primaveras, de
estações, e de um maquinista sem trilho...)

Contra

Há um "contrasenso" entre o que é de direito e o teu beijo de lado
abstrato foi teu sentimento
avesso do que possa ser leito
ninguém age assim com o ser amado
há um "contrasenso"
há um "contragosto"
há um ano inteiro nos dias avessos de agosto
há um "contrasenso"
há uma "contra paixão"
se minh'alma balança
meu corpo fica tenso
todo o encantamento
prevê a definição exata de senso


Casa

Casa para perfumar
Casa para descansar
Casa para ter casa para ter casa para ter
Casa para desfrutar
Casa para sorrir
Casa para viver
Casa para ter casa para ter casa para ter
Casa para cantar
Casa para plantar
Casa para criar
Casa para ter casa para ter casa para ter

Sem lugar não há

Era só o que faltava não preenche o amanhã

Era só o que faltava não preenche o amanhã
Era só o que faltava faz mais perder do que ganhar
Era só o que faltava não preenche o vazio da dor
Era só o que faltava faz lembrar do porque
E faltava tão pouco
Dizes isso só agora "era só o que faltava"

Florentino Ariza

O cíclico é lírico
Empírico,
Ardente e bíblico

Preciso e casual
Luau,
Sol escaldante

Florentino Ariza,
Campeche, Moinhos de Vento
Ou Ibiza

Viver intensamente o momento,
Entender o lamento,
Gaivotagens e ventos
O lado bom é um todo bom que virá
O que será? Não sei

Florentino Ariza,
Com todo o prazer e
nuances da personagem vida...

Entre a cólera e o paraíso


Presença

Quando não se vê a alma descansa,
Quando se vê a alma cala...
Quem haverá de gritar esse silêncio que se lança?

Quase sem nexo

Eu não amo um só ninguém
Eu amo todo mundo
Eu amo um só alguém
Quando o sentimento é assim profundo

Paixão, águas caudalosas
Sem ar o amor vai para o fundo
Sem mar a paixão não navega
Não quero a calmaria
Zombando do meu absurdo

Ponderações

Poderia a lua agora viajar até o meu quintal
beber vinho em minha taça e deixar o luar em minha cama
Poderia também a lembrança levantar a cortina da minha sala
e deixar o sol entrar por minhas veias e amanhecer sem medo

Depois de tantos sonhos ela deixou um recado no varal
Pois depois de cinco ou seis Brahmas
Arrumou o cabelo, lavou o rosto, ajeitou a mala
E lua crescente aos poucos desvendou o seu segredo

Tem fases de alta voltagem
Tem fases de choque
Para acordar a imagem
antes que a vida a troque


Se

o tinto seco, a música, o mar
esquecemos pois o chá de sumiço
para "se" encontrar é preciso "se" perder
existem momentos que é muito melhor ruir
para "se" conhecer todas as partes
quebrar é uma forma de crescimento
o vento pode afastar ou aproximar
tão perto pode ser marte
tão distante pode ser a nossa sala
temos as tintas e os pincéis
façamos felicidade com eles
façamos arte

Ainda

há ainda tanto
que haverá o gosto do chá
todas as manhãs, quiçá...

tuas palavras ainda
se fazem canto
todas as tardes,

há ainda muito
que inunda, explode, preenche
e quando da falta, arde

tuas palavras ainda
dizem tanto
que todos os silêncios
aprenderam a declamar

Trincas

meu olhar
vê muito mais
mesmo trincado
percebe agora
toda a insensatez
do fictício toque
roteirizado
mesmo calado
meu entendimento
é escutado
vivia a sonhar
com o melhor presente
atrelado a um passado
que jamais me fez sorrir

trincar é uma forma real de contato
entre a alma e o coração

Querer

Meu querer agora é o meu querer
minha sede é minha
minha fome é minha
meu limite tem a cor da minha linha e voa

Minha vontade agora depende dos meus sonhos
minha casa é minha
minha asa é minha
meu buscar tem no amor minha trilha e voa

Rabiscos Tortos

tuas linhas tão tortas
adoro de ver assim
as pessoas viram compotas
quando desenham só retas
adoro também tuas curvas
e a tua voz flamenca
os teus nós encantam as linhas
e as tuas estradas não seguem as setas

dispensas a bússola
beijas o acaso, o vento e assim ficas
sempre na direção do teu desejo
e o teu beijo por crescer assim
é o beijo mais verdadeiro
cresce no mar, na lua, no jardim

tuas linhas tão tortas
me ensinaram a amar sem precisar de nexo

tuas linhas tão tortas
me ensinaram a navegar sem precisar de mapas

eu também adoro teu jeito torto
assim minha ilha também entorta
e eu conheço melhor o teu porto

meu coração me diz para não desistir


Vida

"há con tece"
teias que guardam
um mundo

Uma tarde ensolarada

Estou a ajeitar a vida, diria Pessoa.
E estou muito contente com isso.
Encantar-te faz parte da minha poesia.
O efeito da tua presença provoca-me sorrisos e desejos.
E amanhã sempre será um verso novo a escrever...


Um dia desses

Um dia desses
uma varanda
sem tempo
sem compromisso
sem pressa
a vida ao vento

Estás tatuada em meu coração
Nos falamos mesmo no silêncio
Existirá música melhor?

Quem sabe

Quem sabe um dia me "cure"desse amor meio sem jeito
dessa paixão "Florentino Ariza"enquanto isso
meus desejos me levam
e eu canto

As mortes

Não sei morrer inteiro
infinito é uma dor distante
mas diante do espelho
já fui agosto em janeiro
sonho constantemente contigo
de vestido vermelho
abrindo teu coração

Choramos tanto
morremos várias vezes no verão
voltamos em primaveras inesquecíveis
e nos perdemos

Não sei agora morrer inteiro
Ter a constante companhia do relógio marcando cada gesto meu

Sei que preciso de um olhar diferente
como se uma janela lateral me chamasse
como quem escutasse Beto Guedes de manhã no café

Que paisagem é essa que muda de cor ante um vento forte
senão a miragem do que inventamos como dor?

A vida é uma eterna primavera Cecília...
Podar é o ato primeiro do florescer...


Despistes

Despistou a lua nova
que já havia
num claro andar
de luas já tão antigas

juntou as provas
e toda a alquimia
pois previa
um transbordar

engoliu à seco o mar
e se pôs a chamar de felicidade
cada onda, cada olhar
que já havia
"tanto tempo"

e viu assim
seu coração navegar em águas que conhecia
(muitas vezes recriar é a forma exata do amor constante)

Simplesmente


Toda manhã perto da lua
estendo minha mão
misturo minha sede ao mar
como uma prece

Ao molhar minh'alma e meus pés
provoco por querer
uma sensação de paz e agradecimento
e vem o vento
e bate em meu rosto dizendo: - Aproveita
e docemente balança o tempo
e deixa-me de frente para a minha felicidade

Lições

Tua teoria perde-se quando se fala de vida
de que adianta tuas frases prontas
se não sabes o motivo de tuas feridas?


Embarcação

Todo o mar espera uma embarcação que provoque nele a vontade do navegar.
Às vezes passa a vida inteira esperando-a.
Talvez por isso é que me deixo naufragar, algumas vezes já estive tão perto da minha embarcação, mas por inquietação do corpo, ela foi para alto-mar.

Exato Momento

Prontamente percorreu o longo caminho que separa o beijo da indecisão.
Não tinha mais nada para perder.
Muito menos para perdoar ou ser perdoado.
Ali começava finalmente a sua vida.

Oportunidades

Esse olhar descompassado
que brinca com meu olhar
já foi um olhar apaixonado
mas eu não sabia mais amar

Hoje quando esse olhar chega
desarma toda minha defesa
minha alma exposta ao toque
meu coração aberto sobre a mesa

(Quirina chora emocionada, e abre logo uma cerveja...
vira um, dois, três copos e diz, quase aos gritos: - Ao menos tenta.).

A mulher

A mulher da minha vida é o olhar do meu amor
o verdadeiro amor quase esquecido
o que ainda lembra da flor
e daquele primeiro soneto lido

nem todas as mulheres são assim
mas muitas eu conheci
os meus versos são cantigas
porque belas mulheres eu li

Lua Inteira

Nunca vi uma lua tão inteira
igual àquela da minha varanda encantada
resisti, até acreditar que eu não sonhava
pois era de fato desenhada

Tintas que a vida me deu
Telas que eu sempre busquei
O sonho que era tão meu
e meu destino gritou: - Achei

Fico agora a buscar a imagem
e meu pensamento voa, e meu pensamento dança
Olhos abertos a decifrar o céu
e busco a lua inteira em minha lembrança

Tudo ao mesmo tempo


Cíclico e permanente
esquecido e constante
a vida inteira e de repente
silencioso e cantante
não preciso de nexo
para dizer que meu amor
é verdadeiro

Cantiga

Querer é uma palavra engraçada,
chama de cíclico o que é permanente,
é de distância o que é namorada....

palavras de jeito nenhum,
palavras de todo o jeito,
acordo pensando em ti,
e levo o pensamento quando deito.

Quem sabe


quando me tornei "quem sabe"
pude conquistar muito mais
a dúvida provoca a aproximação
a certeza dói demais

quando me tornei "quem sabe"
fui visto por quem nunca me viu
o que é muito inteiro parte
o que fica é o que partiu

O andar

tenho um andar que sei que me levará ao caminho que preparo a tantas luas
tenho um andar que sei que me levará à casa dos meus sonhos e dos meus quereres

esse andar "me" segue
esse andar "me" chama
esse andar "me" busca
esse andar "me" ama

preciso acordar
preciso entender o movimento que faz meu coração
preciso navegar
preciso encontrar nesse andar minha embarcação

Vazio

teu calar movimenta um vento
que carrega minha resposta
e nesse silêncio gritante
desperto e parto

saberei sumir
para que apareça depois

o encanto que une também quebra

talvez isso explique um amor
que termina de repente

vazio as vezes preenche
multidão as vezes é solidão

por isso teu calar
responde meu afastamento

Pequena Canção de Final de Fevereiro


Corpo cansado
Alma surrada
Olhos vermelhos
Pernas doloridas

Que março traga o corpo amado
Que março traga a alma lavada
Que março traga meus olhos inteiros
Que março traga minhas pernas descansadas

A Colombina que nunca tive me chama de Pierrô

Março é mais transparente

- Quirina venha cá.
- Feche a conta já.
- Agora, agora.
- Agora.
- Deixa eu dar o último gole.
- Que gole foi esse Quirina?
- Bebi o mar, bebi fevereiro... Tenho sede de acasos.
- É bem isso, Quirina, mas engarrafe as águas de março, por garantia.

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