quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Febre

Uma sensação sem cor me atravessa.
Embora não fale, não cala.
Invariavelmente estanca cada passo meu.
Um punhal ferindo a própria ferida.
Um jogo onde a dor supostamente venceu,
Sem que a existência se desse por vencida,
Ficando exposto aquilo que o poeta ainda não escreveu...
Assim fica entendido o mágico encanto dessa vida.
A vida é uma longa febre.
Um querer veste vestido vermelho
Cabelos livres, ventos no espelho
Gritos em luas que não falo
Um silêncio que mexe todos os janeiros
A vida vem aos gritos, eu Khalo

terça-feira, 28 de outubro de 2014

PEQUENA CRÔNICA DO FEITIÇO QUE VIROU CONTRA O FEITICEIRO

Um amor de tempos é aquele que aquece a solidão a qualquer momento
Um “que” que abriga tanto querer e faz o sentimento crescer lá dentro
Uma verdade que não finda, um tentar com todas as forças que se tem
Um amor assim atiça, envolve, permeia a tudo
e quando despertado ganha mais vida, fica mais forte, faz bem
Um conto de sarda

Uma menina com sarda
Brincava atrás da cortina
Desenhava uma fada
A solitária menina

Queria que a fada
Num toque de sua varinha
Retirasse do seu rosto a sarda
E ela detrás da cortina

A fada não entendendo nada
E achando tão bela a menina
Num toque doce de fada
Desapareceu com a cortina...
Das águas

Minha pele quieta, calada
Não que não queira aflorar
apenas espera a amiga água
que emprestou suas lágrimas
para o meu rosto chorar

Eu que já vivi grandes estios
ao mesmo tempo que já fui rio
sei que dores sempre são águas passadas
envoltas em pensativas madrugadas
que em meio a linhas e lágrimas
auxiliam-me a coser a colcha do amor e da calma
aproveito e lavo minha alma
na certeza de que em breve voltarei a sorrir
Ando inteiro nas chuvas
Por que para andar
é preciso se encharcar
o que se faz pela metade
é fácil de descolar
a intensidade é caminho
que o amor gosta de ficar

Pano para manga também aquece

Costuram linhas, fazem chuleios, em panos quentes
Incandescentes tecidos, agasalhos de inverno forte
Linhas apaixonadas por encantadas pandorgas
Ventos inteiros a levar velas em busca do sonhado norte

Linhas de horizontes coloridos, linhas verticais a subir sem medo
Encontros de linhas, trens do nosso destino a desenhar caminhos
Navegações sem bússola a desvendar todos os segredos

Cobertores que em noites de frio jamais nos deixam sozinhos

Todo o encanto,
Toda a beleza,
Todas as letras,
As linhas,
As entrelinhas,
As estrelinhas,
As cores das asas,
Os bichos,
As casas...
As janelas,
Os quartos,
Os ares,
As birutas,
Todos os pares
Todas as cores

Um cheiro,
Um dengo,
Um alô
Um já
Um aqui
Outro acolá

Jeito de vida
Jeito de vida
Jeito de vida

Amores

Quirina escuta o andar de Dolores.
Quirina inquieta escuta o andar de Dolores.
Quirina boquiaberta escuta uma frase de Dolores.
- João deixou recado, Quirina?
Quirina, com a face rosada e, com um beijo marcado no pescoço, responde.
- Que João? Ah, o João... Esteve aqui. Muito rápido... e deixou um recado...
Mas tinha que ser no teu pescoço, Quirina?

(Tomaram café juntas anos depois, e riram muito, por muitos anos...)

Hiato

Aquele sujeito, cheio dos adjetivos,
dizendo-se objeto direto, é bem composto,
de simples não tem nada,
Aumenta tudo a cada relato.
Ontem, o vi num bar, bebendo e rodeado de hiatos...

(Quirina leu tudo atentamente, e para definir rapidamente o acontecido, disse: é um problema de língua... e riu muito do que disse...
- Tá falando do beijo? – gritou Dolores enquanto fazia as unhas...)

..
Tudo pode ser uma questão de dizer nada.

...
Já virei a página sem ter entendido o livro. (Meu amigo, amor não é adivinhação)...

Em que cobertor se escondeu nosso amor?

...
A flor da pele pode não ser rosa.

...
O dia tropeça na tarde, mas quem cai é a noite.
Talvez o amor tenha muito mais que claros segredos...

...
Meu amor é exato. E teu amor é horário de verão.

...

Calor em dias frios, rasgos em tecidos finos, céu de bocas famintas: o grito não atende a previsão do tempo...
...
Nem mesmo o mar poderá te dizer por onde andei naufragando.

...
Enfim, fica tatuado um beijo no teu coração, pra te sentires beijada sempre...

...
Lembrança é a ferrugem pelo arame da saudade...

...
Agora meu mundo estava mais próximo, não sei “próximo do que nem de onde”, mas, com certeza, estava mais próximo de algum lugar. Lugar é um grande pássaro que adora viajar, em bandos, em bares, em mares...

...
Acordei ontem ao lado de três reticências...

...
Não me venhas falar de falta de espaço, no mesmo momento em que olhas para o céu...

...
Quem inventou o frio não te conhecia...

...

O que o mar tem pra contar, ele canta.
...
Nada é exato.
O resto da vida pode ser o próximo minuto ou os próximos cem anos...

...
Augusto não era tão anjo assim. Não entendo até hoje seu plural.

...
E um vampiro apaixonado, dá de presente um cachecol...

...
Quem ama não data.

...
E não se enganem quando falam lento, palavras sem pressa ferem muito mais.

...
Atentos olhos observam a intensa cerração.
Nas vidraças, recados escritos com as mãos.
Faz frio lá fora, mas inverno igual ao da minha alma nunca vi.

...
Existem horas em que a melhor maneira de aparecer é sumir...

...
Sou um outono apaixonado por uma chuva de verão...

O que é inteiro?

Inteiramente é uma palavra que inexiste...
Doar-se inteiro, decididamente, é uma forma de ser triste.
Minhas olheiras hoje são amantes dos meus cafés...

Quadrinha da paixão confusa

A intensidade apaixonou-se por um interruptor.
Levou um choque e achou que era amor.

Da explosão

Minha poesia detona o estopim.
Não ligo para explosão. Enfim...
Silêncio
                                                                                                                            
O relógio está quebrado.
A carta não tem selo nem CEP.
A mensagem bebeu a garrafa.
Quintanares de janeiro

Tantas notas musicais pelo meu caminho e eu tão desafinado. Melhor ficar sozinho.

Constatação

O luar é um cachecol, com o qual eu protejo teu pescoço dos meus beijos roubados.

Cafés

O destino não dorme,toma garrafas e garrafas de café
e conversa noites inteiras reinventando o amor.

Cuidados

Difícil abrir um coração que há muito havia se fechado. E agora o que se faz? E agora o que diz? E agora o que sentir? Havia já me acostumado com a solidão. Nem sei se era feliz, mas um coração aberto há de se cuidar...

A frase – Ah...caí

Eu te amo.
Nesta frase tão curta
a palavra amor surta.
Quadrinha “indecente” de saudade

A lua versa. A lua é prosa. A lua ao ler meus pensamentos, goza.


Pequena canção de amor passageiro

Minhas janelas adoram tua paisagem.


Sobre o amor

Ao ver o mar mergulho e sempre mergulharei.
Como ter sede de mar e não naufragar algumas vezes?

Olhares

As luas novas que prateiam o céu são bem mais lindas quando te veem.
Teu reflexo faz a noite ser a mais linda manhã que eu já vi...

Caixinhas

Temos o medo guardado em caixinhas no quarto.
num quarto de hora,
num quarto de hotel,
num quarto de nunca mais,
num quarto de pão...
Temos o medo guardado em caixinhas no quarto...

Enganos

Mudou a cor do casaco para enganar o frio.
Colocou num copo toda a água suja do rio.
(embaixo do tapete mora um segredo que todo mundo sabe).

De pele

Enquanto eu era a seca, tu eras a dança da chuva.

Estio

Lá no meio do deserto mora uma única gota d’água...
Filha de uma chuva rara e de um poeta sereno.
É lá que os sonhadores matam a sede.
Bêbado

Toma café,
toma vergonha,
toma ônibus,
toma banho,
toma jeito,
toma cachaça...

E quando quiseres...
Toma meu coração.


Motivo

Quando uma corda puxa a noite
O dia vai e se enforca de ciúme.
Quando uma corda puxa o dia
A noite vai e ser enforca de ciúme.
Quando chega a madrugada
A noite e o dia se enforcam com a mesma corda...
Febre

Uma sensação sem cor me atravessa.
Embora não fale, não cala.
Invariavelmente estanca cada passo meu.
Um punhal ferindo a própria ferida.
Um jogo onde a dor supostamente venceu,
Sem que a existência se desse por vencida,
Ficando exposto aquilo que o poeta ainda não escreveu...
Assim fica entendido o mágico encanto dessa vida.
A vida é uma longa febre.

Um verso de pé quebrado

Um verso de pé quebrado deixa recados no gesso.
Ninguém passa nesse mundo,
falando de amor e saindo ileso...

Um verso de pé quebrado demora um pouco mais para chegar.
Mas rima luares com ondas e mares,

e canta como quem se encanta em cantar...
Manhãs

A linha do meu coração usa um terno pelo avesso
e dança em bailes de lembranças que eu guardava em segredo.

Aprendiz
          
Chegou um minuto atrasado.
Chegou meio assim, de lado,
desculpando-se pela vida,
pelos maus tratos...
Contou sem ninguém perguntar,
todos os seus atos,
todos os seus erros,
seus amores
e sua solidão...
Chegou um minuto atrasado...
Quando perguntaram o seu nome,disse baixinho:
- Meu nome é coração.

(depois, fechou-se num canto,
e, como por encanto, disse adeus e virou paixão...).