sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Um conto de sarda

Uma menina com sarda
Brincava atrás da cortina
Desenhava uma fada
A solitária menina

Queria que a fada
Num toque de sua varinha
Retirasse do seu rosto a sarda
E ela detrás da cortina

A fada não entendendo nada
E achando tão bela a menina
Num toque doce de fada
Desapareceu com a cortina...


Fomes                                                                                                 

Era inevitável a queda
frente ao vazio que se fazia
era café sem bolacha, sem fatia
era fome o que o coração mostrava e dizia

Era inevitável o pranto
frente ao exposto
era lição sem cartilha
era um mar imenso sem nenhuma possível ilha

Era inevitável o fim
frente ao penúltimo capítulo que se escrevia
era final feliz sem nenhum par
era romance sem nenhuma poesia

A fome comia...

A LUA

Eu guardava versos escritos em linhas
Onde viajam meus trens
Meus trens viajam para a lua
E a lua é de todo mundo
Mas pode ser de ninguém

Havia esquinas que guardavam palavras
E todo um querer distraído
Um sonho que ardia distante
No avesso de um céu colorido

Guardei um amor por tanto tempo
Nas viagens e segredos de trens
Meus trens viajam para a lua
E a lua é de todo mundo
Mas pode ser de ninguém

Hoje meus versos são lidos inteiros
Hoje minhas palavras tem muito mais cor
E meus trens de sonhos trilham nas estrelas
E agradecem a lua que guardou meu amor


Desejo

Se não posso sentir
mais do que tu me permites
ainda assim sigo sentindo
tudo aquilo que não sentes
e, quando feres os meus olhos
com teus limites,
correm em minhas veias
desejos repentes
Ao contrário do que vês,
não sou tão pura,
pois minha boca
solta uma mulher ardente
enquanto crês que me tens,
sou vã procura
embora aches que sou completa,
vejo-me doente...
Ao passo que vives encanto,
sou tortura
e, quando vivo em brasa,
és decente
O que faço por amor
chamo loucura
Talvez, por isso,
eu seja inocente...


Tarde

Lá fora é tarde
Aqui dentro na sala
A vida arde
Desenho a tela
Com mertiolate

Cicatrizes contam histórias
Esparadrapos vestem as feridas
Quando tudo parece morrer
Aparece teu sorriso

O destino assopra

Os riscos e os ciscos

Deve-se ter tino quando se decide correr riscos,
depois do vinho juras de amor são endereços comuns,
ainda preciso ver a poesia na rotina, na retina
para acreditar em beijo no coração a vida inteira...






Saudalejar

Seu nome saudade
Menina de seios rijos
Pouco ou nada de juízo
Cheiro de leite
Sabor de flor

Seu nome amor
Menino de dentes livres
Brancos que um dia eu tive
Cor de mar
Imensidão de grão

Seu nome paixão
Mulher de lábios fatais
Afã de talvez, clã de jamais
Música de cor
Verbo “saudalejar”





O acaso brinca de rima
          
Cabe-me, por encaixe, o olhar inteiro das bocas do acaso
Afasto-me quando, ao meu encalço, andam apressadas bocas métricas
Mergulho em luas claras e transparentes como se o medo fosse o raso
E não venham me dizer que almas são armadilhas bélicas

Atento aos relatos escuto a inconstante passagem do pensamento até o ato
Transformo-me num silêncio de lápide quando um grito quer ser mais forte do que o fato
Fatias inteiras de um bolo de chocolate do apartamento ao lado invadem lixos de uma favela
E, não venham me dizer, que corações sejam sempre as melhores janelas

Cabe-me a leveza da escrita para deixar dito o que tanto me aflige e alucina meu entender
Levado muitas vezes pelo interminável duelo daquilo do que se mais quer, com a razão burra de que não se precisa querer
Lanço-me aos poucos, aproveitando-me de noites escuras, para escrever poesias em muros que rodeiam almas tão vazias
E não me venham dizer que estou só, louco e o que entendo por felicidade sejam páginas de crônicas fictícias e fugidias...








Marcas, tatuagens e silêncios

Espelhávamos na própria carne quando pressentíamos a dor
e tudo era uma coisa só e tudo era só
chamávamos segredo o que era intenção ardente
propúnhamos ser o que não éramos para resistir à vida
vez por outra éramos apunhalados por nossos medos
quebrávamos bússolas, rasgávamos mapas, sujávamos lentes
havíamos atingido toda a inconstância das coisas tidas como certas
e velas abertas singravam mares, bares, ares e alhos e bugalhos
entendíamos que assim resistiríamos mais
ledo engano
depois de algum tempo nos reencontramos e não falamos nada
mas havia em nossos olhares uma dor
que por não ter sentido algum
marcaria toda a nossa vida

Túlio Piva  
               
Quando a lua do destino decidiu viajar
malas na sala, recados no mar
Assim veio um menino sem passagem, sem lugar
que também queria o céu...
Escreveu, ao lembrar do tanto, de um passado tão bom
e ele “nem sei em que data"...  clareou a viagem
Quem nunca ouviu Túlio Piva que me desculpe
Minha lua de menino sempre foi pendurada no céu

“feito um pandeiro de prata". 
As desculpas

Depois vieram as desculpas,
que usavam luvas e falavam baixo...
Nunca entendi tantos dedos,
já que eu sabia do que se tratava...
Vez por outra deixavam somente recados,
avisavam que não mais voltariam
e, logo depois, voltavam...
E com elas chegavam outras palavras,
que eu não entendia muito bem seus significados...
Mas até aquele momento,
as desculpas não se importavam com o que eu poderia ter achado...
Algumas chegavam bêbadas,
outras chegavam sem avisar,
e outras tantas  não sabiam nem o que falar...
Nunca me preocupei em entendê-las,
mas entendia o que elas queriam mostrar,
assim ficava mais fácil conjugar o verbo desculpar...
E assim foi quando eu perdi meu par...
Depois vieram as desculpas,
que usavam luvas e falavam baixo,
que me ensinaram de um jeito especial
a verdadeira face do gostar...








Contemporâneo
                      
Nosso romance começou num bar.
Eu, tomava seu tempo.
Você, vodca.

Depois fomos num teatro.
Eu assistia a peça.
Você pregava uma.

Fomos num motel.
Eu pedia uísque.
Você trazia o gelo.

(Enquanto eu tomava a iniciativa, você procurava a sua posição)

Você caía na cama.
Eu na vida.

Alguns meses depois, após o primeiro encontro,
encontramo-nos num trem.
Eu teimava que era primavera.
Você parava em qualquer estação.

Anos depois, soube por alguém,
que enquanto eu escutava Caetano,
você saía com Chico, meu melhor amigo.


O que se poderá ser terá o querer que se há?

Quem entenderá o olhar?
Àquele olhar que estou falando
Um não sei que
Que encaixa incômodo
O enfadar que enfarta o farto amor querido
Que existe num modo econômico
Para não gastar energia e beijo?

Quem entenderá o olhar hidramático?
Àquele que vê a marcha passar sem controle
Um não sei que
Que atravessa a faixa
O tentar que sua a testa
A sua testa que beira o tal olhar
E que assim se afasta do calor que assusta?

Quem entenderá o olhar decassílabo?
Àquele que nasceu soneto e virou quadrinha
Um não sei que
Que determina que nada saibamos
E que aumenta a transpiração e colore as meninas
De olhos soltos numa clara escuridão?


Saudade                                                                                                             

Já se vão as luas
que demorei tanto para colher
e, com elas, vão-se as conchas
de mares que eu guardei

Já se vão as brumas
que levavam o meu barco
e, com elas, vão-se as colchas
de camas que eu pintei

Já se vão as cartas
que demorei tanto para escrever
e, com elas, vão-se asvidas
que eu vi e delas já não sei

Conversas

Ainda assim, acredito em minha varanda, em minha rede, em minha poesia... acredito que tudo é simples demais e complicamos tudo. Ainda assim, acredito em andar de mãos dadas, em dormir de conchinha e outras posições de encaixes. Ainda assim, sigo a buscar, a "me" perder, a "me" encontrar e, tenham certeza que o tempo passa rápido
demais e precisamos aproveitá-lo com muito amor, em todos os sentidos. Ainda assim, continuo a passear na praia, a escutar as gaivotas e a todo o momento resgatar o menino que mora dentro de mim. Às vezes me pergunto se estou no mundo certo. A resposta vem rápida: com certeza, não.


Manhãs                                                                                                                              
         
Abril de uma manhã intensa
extensa foi tua carta
imensa minha saudade
às vezes o que nem fere hoje
amanhã vem e mata

Comeram as reticências
as vírgulas e as broas
beberam a compaixão
limparam a desculpas com Q-boa

e a vida passa
e a vida borda
e as lágrimas lavam as escadarias d´alma

Águas                                                                                                                 

O céu prepara a lágrima
um guarda-chuva protege a alma
línguas atropelam a fala
águas rompem calmarias, Marias e broas
água na boca vindo de um céu da boca
numa taça de um vinho um mundo todo
encharcar é o prazer da lágrima
quando namora um lenço



As parceiras

Bebem noites,mas adoram café da manhã...
Mastigam palavras poeticamente,
e cinicamente arrotam desaforos...
Conversam com anjos.
Passam os finais de semana no inferno.
Compram tapetes na feira livre.
Adoram tapetes voadores e persas...
Riem com cumplicidade e choram do mesmo modo.
Possuem palavras doces,
que transformam em cicatrizes outras palavras...
Mudam a sala a toda hora.
Fazem as malas a todo instante.
Adoram samambaias e cult movies.
São contraditórias,
mas nós amamos suas histórias...
E por paixão e risco nos entrelaçamos a elas...

(As parceiras não tem nexo. Nem sexo devem ter.
São línguas, do hiato ao plural. Muito de transbordar nada,
pouco de preencher tudo)

São assim as parceiras,
que muitas vezes nem primeiras são...
As parceiras são pele e flor.
Viver sem elas seria cômodo demais.





Sabores e copos trincados

Refaça a taça sem trincar
Ou sem olhar a trinca
O vinho bebido antes tinha gosto de mar
Eu quero beber o mundo de canudinho
Mas o tempo poderá esperar?
Quem haverá de me explicar a palavra "afogar"?
Falta uma peça nessa cabeça que me quebra

A taça é um disfarçar... quando brinda

Verbos  

Há dias que nem me vejo
Passo sem ver meu querer
Um café da manhã sem gosto nem desejo
Uma sensação de quase morrer

Noutros dias vejo tudo diferente
Entendo quase morrer como estalar
Vejo uma vontade latente
Uma maravilhosa sensação de tentar

No parque de diversão do destino
As gangorras estão cheias...


Invasão
                      
Nada me invade se não o que realmente me invade
estou farto de segundas intenções planejadas
e nas quartas-feiras janto às terceiras
às quartas, às quintas, às sextas...
de intenções já tenho uma semana cheia

O amor é todo dia sempre

Eu preciso de riscos
Para fazer poesia
Eu preciso de amor
Para buscar boas rimas

Amor para mim é todo dia
Amor para mim é todo flor
Amor para mim é todo cor
Amor para mim é todo alegria

Mesmo que venha a tormenta e afaste o dia
Mesmo que venha a tormenta e destrua a flor
Mesmo que venha a tormenta e misture a cor
Mesmo que venha a tormenta e leve a alegria

Amor continua definitivamente para mim
Todo dia o dia todo



O acaso dormiu

Todo o engano que houve foi por um motivo conhecido
pediram para ler apenas uma página
e eu acabei lendo todo o livro
descobri todas as tramas, todos os finais
quem ficou com quem e quem não veio
e assim os amantes que gostam tanto de acasos não verão o filme
(ah... o filme nunca é melhor do que o livro)

Palavras

Disse-me: esqueça-me
respondi: porque a pressa
a tréplica: há amor mas não há espaço
o término: o encaixe é tão distante
a volta num beijo
dois pontos de vista sem prazo
e um destino que brinca de mergulhar no liquidificador

Absolutamente

Tem dias que eu sou cantante.
N’outros o silêncio bate.
E na forma mais errante.

Beijo de mercúrio em que me arde.

Caixinhas

Temos o medo guardado em caixinhas no quarto.
num quarto de hora,
num quarto de hotel,
num quarto de nunca mais,
num quarto de pão...
Temos o medo guardado em caixinhas no quarto...

Enganos

Mudou a cor do casaco para enganar o frio.
Colocou num copo toda a água suja do rio.
(embaixo do tapete mora um segredo que todo mundo sabe).

De pele

Enquanto eu era a seca, tu eras a dança da chuva.

Estio

Lá no meio do deserto mora uma única gota d’água...
Filha de uma chuva rara e de um poeta sereno.

É lá que os sonhadores matam a sede.
O vendedor de algodão doce

Lá se vão as nuvens,
E eu aqui embaixo, redesenho...
Passa agora um vendedor de algodão doce e me traduz.
É... o amor tem muito mais que claros segredos...

Frases e rasgos

Usava alvejante na alma e ninguém via a tristeza contida

Pequena canção para entender a lágrima

Imagino a lágrima vertente de um rio.
Insinuo que existem correntezas e calmarias no curso.
Minhas tristezas e minhas alegrias são meu leito.
Entendo o pranto como fosse uma vertente inundando o mar...

Cochilo                                                                                                                              


Meu abandono tem sono e acorda em teus braços quase sempre.
Caminhos encantados do acaso

A mágica sensação do ver sem nunca ter avistado.
O delirante sujeito que nunca faz parte da frase.
Atenha-se aos detalhes, ao acaso.
De vez em quando provoque-se, como forma encantada de provar que a vida corre por suas veias...

Quando o tempo todo é muito pouco

“Um copo vazio está cheio de ar”.Chico, preciso e encantador...
Muito de nada para preencher.Pouco de tudo para entender.

Segunda-feira após uma solidão de mar

O tempo é um velho professor. Escreve calma, paciência, compreensão, claridade
para dizer amor.

Pequena canção de um barulhinho bom e simples

Quando a chuva cai na terra, ouço um som de beijo...

Guardo-te

Guardo-te como quem guarda o gosto da primeira manhã...
Infinitamente. Guardo-te como quem viu o céu uma única vez.




Pequena canção de uma paixão sem fim que terminou de repente

Há  um gosto de jardim em minha boca.
Deixaste uma foto amarelada junto com uma rosa vermelha.
Não tem mais cor nem perfume o meu mundo.
Quem pintava as estrelas agora dorme as noites inteiras...

Gumes

Julgo ser inteiro o que me deixa em pedaços,
o que me faz ser devaneio
o que atiça meus medos,
me faz agosto em fevereiro, desvenda, sem bulas, meus segredos...
Me deixa inteiramente pela metade.

Coisas, causas e pausas...

No fundo, no fundo...o fundo do mar, para algumas espécies, é um chão seguro.

Classificados


Num canto dos classificados mora um cantor cheio de letras.
Quadrinha “indecente” de saudade

A lua versa. A lua é prosa. A lua ao ler meus pensamentos, goza.


Pequena canção de amor passageiro

Minhas janelas adoram tua paisagem.


Sobre o amor

Ao ver o mar mergulho e sempre mergulharei.
Como ter sede de mar e não naufragar algumas vezes?

Olhares

As luas novas que prateiam o céu são bem mais lindas quando te veem.
Teu reflexo faz a noite ser a mais linda manhã que eu já vi...




Sonhos e corujas

Talvez no meio da madrugada
More uma coruja escondida
Que de tanto sonhar com o dia
Esqueceu-se da própria vida.

Amores                                                                               

E também tem o amor escondido, o presente, o de viagem, o de verão...
Temos amores demais. Atemporal é o nosso coração.

Absolutamente

Tem dias que eu sou cantante.
N’outros o silêncio bate.
E na forma mais errante.
Beijo de mercúrio em que me arde.

A linha

A felicidade é uma linha... uma voz que corre a linha... uma linha que é feita de nós... Uma nota musical alinhada com o querer... a simplicidade é amiga da linha... o tempo é parceiro da linha e o amor é o tear...



Dedal

Nada pode ser mais fatal
Do que um dedal no fundo do mar.
Quando o destino costura.

Da flor da pele

A flor da pele
Rosa não deve ser.
Minh ’alma eu mesmo lavo.
A rosa não brigou comigo.
Aliás... eu nem sou o tal cravo.

Navegação  

O que faz todo o navegaré uma boca cheia de mar.

Afogamentos  

Quando teu corpo se afoga
Minh ‘alma faz respiração boca a boca.

Sedes e estios

O deserto tem como paixão maior a lágrima. Areia nos olhos faz chorar.