Declaração de
amor rasgado
Rasgou
minhas cartas,
rasgou
minhas fotos,
rasgou
meus livros,
e,
por último,
rasgou
as próprias roupas,
e
fizemos amor na sala...
Abril II
A
linguagem da liberdade
tem
uma boca faminta
que
engole o mundo e as palavras
e
guarda no coração milhões de tintas...
Uma
aquarela de vidas,
uma
festa profana e ao mesmo tempo tão distinta.
Enamorada
pelo encontro
e
apaixonada pela partida.
abriu
o livro,
abriu
a porta,
abriu
o tinto seco,
abriu
a carta
(Depois
de um março com chuvas...abril...)
Outono da
minha face
Quem
olha agora a minha face
Não
imagina a cor que nela havia.
Estou
outono.
Folhas
secas.
Metade
vinho tinto.
Metade
abandono.
Sou
hora do plantio em época de estio.
Quem
olha agora minha face
Beira
a flor da pele e o arrepio.
Estou
outono,
Esperando,
sem mangas, o frio...
Quando se vai
Dói
por dentro. Dilacera.
Pá
de cal. Pé de guerra.
Punhal
no peito. Alma calada.
Sono
sem leito. Beijo sem jeito.
Abraço
de cilada. Amor quase perfeito.
Oração
subjetiva. A procura do sujeito.
A
procura da própria vida. Objeto num olhar direto.
Dói
por dentro. Toda e qualquer despedida.
Só pra te
olhar
Vou
aproveitar a chuva para lavar a alma,
para
disfarçar a lágrima,
para
limpar o poço...
Vou
aproveitar a chuva para lavar o sábado,
para
disfarçar a seca,
para
limpar "o posso”...
Vou
aproveitar a chuva para lavar a terra,
para
disfarçar a vodca,
para
limpar“o nosso”...
Vou
aproveitar a chuva para lavar o quintal,
para
disfarçar o mar,
para
limpar“o bom moço”...
Vou
aproveitar a chuva para lavar as mãos,
para
disfarçar o tempo,
para
limpar a vidraça...
Desencontros
Falava-me
de luas enquanto eu dormia
ao
acordar com um sol intenso
não
estavas mais
pelos
detalhes sentia tua presença
quebra-cabeças
com peças tão iguais
Manhãs
A
linha do meu coração usa um terno pelo avesso
e
dança em bailes de lembranças que eu guardava em segredo.
Aprendiz
Chegou
um minuto atrasado.
Chegou
meio assim, de lado,
desculpando-se
pela vida,
pelos
maus tratos...
Contou
sem ninguém perguntar,
todos
os seus atos,
todos
os seus erros,
seus
amores
e
sua solidão...
Chegou
um minuto atrasado...
Quando
perguntaram o seu nome,disse baixinho:
-
Meu nome é coração.
(depois,
fechou-se num canto,
e,
como por encanto, disse adeus e virou paixão...).
Febre
Uma
sensação sem cor me atravessa.
Embora
não fale, não cala.
Invariavelmente
estanca cada passo meu.
Um
punhal ferindo a própria ferida.
Um
jogo onde a dor supostamente venceu,
Sem
que a existência se desse por vencida,
Ficando
exposto aquilo que o poeta ainda não escreveu...
Assim
fica entendido o mágico encanto dessa vida.
A
vida é uma longa febre.
Um verso de pé
quebrado
Um
verso de pé quebrado deixa recados no gesso.
Ninguém
passa nesse mundo,
falando
de amor e saindo ileso...
Um
verso de pé quebrado demora um pouco mais para chegar.
Mas
rima luares com ondas e mares,
e
canta como quem se encanta em cantar...
O sonho que eu
não te contei
Sonhei
com teu corpo,
pois
meu coração diz que ele é meu porto.
Navego
em sonhos de asas...
Mesmo
na distância vejo nos dois,
como
fossemos uma única casa.
Busquei
lá de dentro meu sorriso.
Um
resgate que é só teu.
Tenho
na boca o gosto da liberdade,
que
me faz viajar a cada beijo sonhado,
De
um desejo que nunca morreu.
Nos
meus sonhos fazemos amor pelas varandas,
recitamos
Quintana pelas manhãs,
viajo
sem tempo pelos teus lábios.
Pecamos
muito além de qualquer maçã.
Estamos
longe mas estamos tão perto.
O
tempo ensinou a sermos ímãs.
Com
tua companhia deixei de ser deserto,
plantei
na pele a mais bela flor,
planejo
um rapto sem deixar pistas.
Quero
pintar meu mundo com a tua branca cor.
Chuva, sol,
lua e mar
A
chuva era uma moça fina.
Cheiro
de leite. Flor da idade.
E,
com seu jeito de menina, não sabia que no fundo,
poderia
ser uma tempestade.
O
sol imaginava-se sempre repleto.
Pelo
seu brilho não temia nada.
Achava-se
o mais belo, o mais completo.
Chorou,
quando conheceu a madrugada.
A
lua, mulher de olhos ardentes,
emoldurada
por estrelas,
procurava
entre tantas lentes,
alguém
que desejasse realmente tê-la.
O
mar era um velho pescador,
com
tesouros escondidos n’areia...
Diz
que nunca conheceu o amor,
vive
nas esquinas entre sereias...
Inspirações
Toda
vez que me permitia
Recorrer
ao que não sabia
Brilhava
os olhos do acaso
Iluminando
meus dias !
Manuel
dava bandeira
Para
uma musa Cecília
Toda
vez que se permitia
Recorrer
ao que não sabia !
Que
seriam dos anjos de Augusto
E
das pessoas de Fernando
Se
todas as palavras da boca
Passassem
no mundo voando ?
Toda
vez que me permitia
Recorrer
ao que não sabia
Quintana
conversava na varanda
Iluminando
meus dias !
Lareiras
o meu corpo veste roupas novas
minha alma rejeita
não acolhe
ela quer o velho cachecol do tempo
que aquece minhas velhas poesias
o meu corpo veste roupas novas
minha alma rejeita
não acolhe
ela quer o velho cachecol do tempo
que aquece minhas velhas poesias
Impulsos
Aprendi
desde cedo a cortar os pulsos,
a
morder a língua,
a
cheirar o gás...
Aprendi
desde cedo que somos avulsos,
que
morremos à míngua,
que
felizes jamais...
Aprendi
desde cedo a brigar com o mundo,
a
correr o risco,
a
amputar a alma...
Aprendi
desde cedo que o pouco é tudo,
ajuntar
o cisco,
a manter
a calma...
Aprendi
depois, com o tempo,
que
somos gigantes,
e
que mais adiante viveremos em paz...
Aprendi
depois,
sem
querer,
que
somos um verdadeiro caso de amor...
Alimento
Minha
boca
gosta
do
gosto
da
tua...
Em
todos os sentidos
Em
todos os gemidos
Minha
boca
gosta
do
gosto
da
tua...
Em
todos os lugares
Em
todos os luares...
Minha
boca
gosta
do
gosto
da
tua...
Bêbado
Toma
café,
toma
vergonha,
toma
ônibus,
toma
banho,
toma
jeito,
toma
cachaça...
E
quando quiseres...
Toma
meu coração.
Motivo
Quando
uma corda puxa a noite
O
dia vai e se enforca de ciúme.
Quando
uma corda puxa o dia
A
noite vai e ser enforca de ciúme.
Quando
chega a madrugada
A
noite e o dia se enforcam com a mesma corda...
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