sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Declaração de amor rasgado

Rasgou minhas cartas,
rasgou minhas fotos,
rasgou meus livros,
e, por último,
rasgou as próprias roupas,
e fizemos amor na sala...

Abril II

A linguagem da liberdade
tem uma boca faminta
que engole o mundo e as palavras
e guarda no coração milhões de tintas...
Uma aquarela de vidas,
uma festa profana e ao mesmo tempo tão distinta.
Enamorada pelo encontro
e apaixonada pela partida.
abriu o livro,
abriu a porta,
abriu o tinto seco,
abriu a carta
(Depois de um março com chuvas...abril...)


Outono da minha face

Quem olha agora a minha face
Não imagina a cor que nela havia.
Estou outono.
Folhas secas.
Metade vinho tinto.
Metade abandono.
Sou hora do plantio em época de estio.
Quem olha agora minha face
Beira a flor da pele e o arrepio.
Estou outono,
Esperando, sem mangas, o frio...

Quando se vai

Dói por dentro. Dilacera.
Pá de cal. Pé de guerra.
Punhal no peito. Alma calada.
Sono sem leito. Beijo sem jeito.
Abraço de cilada. Amor quase perfeito.
Oração subjetiva. A procura do sujeito.
A procura da própria vida. Objeto num olhar direto.
Dói por dentro. Toda e qualquer despedida.

Só pra te olhar

Vou aproveitar a chuva para lavar a alma,
para disfarçar a lágrima,
para limpar o poço...
Vou aproveitar a chuva para lavar o sábado,
para disfarçar a seca,
para limpar "o posso”...
Vou aproveitar a chuva para lavar a terra,
para disfarçar a vodca,
para limpar“o nosso”...
Vou aproveitar a chuva para lavar o quintal,
para disfarçar o mar,
para limpar“o bom moço”...
Vou aproveitar a chuva para lavar as mãos,
para disfarçar o tempo,
para limpar a vidraça...

Desencontros                                                                                                   
                      
Falava-me de luas enquanto eu dormia
ao acordar com um sol intenso
não estavas mais
pelos detalhes sentia tua presença
quebra-cabeças com peças tão iguais

Manhãs

A linha do meu coração usa um terno pelo avesso
e dança em bailes de lembranças que eu guardava em segredo.

Aprendiz
          
Chegou um minuto atrasado.
Chegou meio assim, de lado,
desculpando-se pela vida,
pelos maus tratos...
Contou sem ninguém perguntar,
todos os seus atos,
todos os seus erros,
seus amores
e sua solidão...
Chegou um minuto atrasado...
Quando perguntaram o seu nome,disse baixinho:
- Meu nome é coração.

(depois, fechou-se num canto,
e, como por encanto, disse adeus e virou paixão...).

  
Febre

Uma sensação sem cor me atravessa.
Embora não fale, não cala.
Invariavelmente estanca cada passo meu.
Um punhal ferindo a própria ferida.
Um jogo onde a dor supostamente venceu,
Sem que a existência se desse por vencida,
Ficando exposto aquilo que o poeta ainda não escreveu...
Assim fica entendido o mágico encanto dessa vida.
A vida é uma longa febre.

Um verso de pé quebrado

Um verso de pé quebrado deixa recados no gesso.
Ninguém passa nesse mundo,
falando de amor e saindo ileso...

Um verso de pé quebrado demora um pouco mais para chegar.
Mas rima luares com ondas e mares,
e canta como quem se encanta em cantar...


O sonho que eu não te contei

Sonhei com teu corpo,
pois meu coração diz que ele é meu porto.
Navego em sonhos de asas...
Mesmo na distância vejo nos dois,
como fossemos uma única casa.
Busquei lá de dentro meu sorriso.
Um resgate que é só teu.
Tenho na boca o gosto da liberdade,
que me faz viajar a cada beijo sonhado,
De um desejo que nunca morreu.

Nos meus sonhos fazemos amor pelas varandas,
recitamos Quintana pelas manhãs,
viajo sem tempo pelos teus lábios.
Pecamos muito além de qualquer maçã.
Estamos longe mas estamos tão perto.
O tempo ensinou a sermos ímãs.
Com tua companhia deixei de ser deserto,
plantei na pele a mais bela flor,
planejo um rapto sem deixar pistas.
Quero pintar meu mundo com a tua branca cor.


Chuva, sol, lua e mar

A chuva era uma moça fina.
Cheiro de leite. Flor da idade.
E, com seu jeito de menina, não sabia que no fundo,
poderia ser uma tempestade.

O sol imaginava-se sempre repleto.
Pelo seu brilho não temia nada.
Achava-se o mais belo, o mais completo.
Chorou, quando conheceu a madrugada.

A lua, mulher de olhos ardentes,
emoldurada por estrelas,
procurava entre tantas lentes,
alguém que desejasse realmente tê-la.

O mar era um velho pescador,
com tesouros escondidos n’areia...
Diz que nunca conheceu o amor,
vive nas esquinas entre sereias...


Inspirações

Toda vez que me permitia
Recorrer ao que não sabia
Brilhava os olhos do acaso
Iluminando meus dias !

Manuel dava bandeira
Para uma musa Cecília
Toda vez que se permitia
Recorrer ao que não sabia !

Que seriam dos anjos de Augusto
E das pessoas de Fernando
Se todas as palavras da boca
Passassem no mundo voando ?

Toda vez que me permitia
Recorrer ao que não sabia
Quintana conversava na varanda
Iluminando meus dias !

Lareiras

o meu corpo veste roupas novas
minha alma rejeita
não acolhe
ela quer o velho cachecol do tempo
que aquece minhas velhas poesias


Impulsos

Aprendi desde cedo a cortar os pulsos,
a morder a língua,
a cheirar o gás...

Aprendi desde cedo que somos avulsos,
que morremos à míngua,
que felizes jamais...

Aprendi desde cedo a brigar com o mundo,
a correr o risco,
a amputar a alma...

Aprendi desde cedo que o pouco é tudo,
ajuntar o cisco,
a manter a calma...

Aprendi depois, com o tempo,
que somos gigantes,
e que mais adiante viveremos em paz...

Aprendi depois,
sem querer,
que somos um verdadeiro caso de amor...

  
Alimento

Minha boca
gosta do
gosto da
tua...

Em todos os sentidos
Em todos os gemidos

Minha boca
gosta do
gosto da
tua...

Em todos os lugares
Em todos os luares...

Minha boca
gosta do
gosto da
tua...



Bêbado

Toma café,
toma vergonha,
toma ônibus,
toma banho,
toma jeito,
toma cachaça...

E quando quiseres...
Toma meu coração.


Motivo

Quando uma corda puxa a noite
O dia vai e se enforca de ciúme.
Quando uma corda puxa o dia
A noite vai e ser enforca de ciúme.
Quando chega a madrugada
A noite e o dia se enforcam com a mesma corda...






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