Quirina e Dolores
(Duas mulheres que acompanharam e acompanham minhas
poesias e, que agora eu conto um pouquinho sobre elas)
Amores
Quirina
escuta o andar de Dolores.
Quirina
inquieta escuta o andar de Dolores.
Quirina
boquiaberta escuta uma frase de Dolores.
-
João deixou recado, Quirina ?
Quirina,
com a face rosada e com um beijo marcado no pescoço, responde.
-
Que João ? Ah, o João... Esteve aqui. Muito rápido... e deixou um recado...
Mas
tinha que ser no teu pescoço, Quirina ?
(Tomaram
café juntas anos depois, e riram muito, por muitos anos...)
Hiato
Aquele
sujeito, cheio dos adjetivos,
dizendo-se
objeto direto, é bem composto,
de
simples não tem nada,
Aumenta
tudo a cada relato.
Ontem,
o vi num bar, bebendo e rodeado de hiatos...
(Quirina
leu tudo atentamente, e para definir rapidamente o acontecido, disse: É um
problema de língua... e riu muito do que disse...
-
Tá falando do beijo ? – gritou Dolores enquanto fazia as unhas...)
O encantador
de serpentes
O
encantador de serpentes não acredita em soro...
Correr
riscos é muito mais que a cura.
Talvez
sejamos “encantadores de serpentes”.
Talvez
seja preciso sê-los.
Há
encantos que nos permitem.
Há
encantos que nos preservam.
Há
encantos que nos admitem.
Há
encantos que nos completam.
Talvez
tenhamos que encantar serpentes no dia a dia, para que possamos olhar os
encantos que realmente nos completam.
(Quirina,
assustada com a poesia, comenta baixinho com Dolores:
-
Hoje ele está soltando cobras e lagartos...)
@mor
.com
carinho
.com
paixão
.com
selinho
.com
tesão
.com
verdade
.com
saudade
.com
tudo
Contudo
não é bem assim... finaliza Dolores.
Afinal de
contas I
Afinal
de contas, teus números não batem e eu conto até dez.
Dez
passos, dez dias, dez recados.
Noves
fora, agora é quase tudo...
(Quirina,
deixa de fazer número).
Afinal de
contas II
Resultado:
vou embora.
Noves
fora... nada.
No
vaso: onze e meia.
No
relógio: flor da pele.
Como
a gente faz número.
E
tudo é uma questão de fração.
Se
até hoje buscam o valor do x, porque cabe a mim, de repente, a solução?
Resultado:
pode ser que eu fique.
Noves
fora... tudo.
No
vaso: um despertar
No
relógio: uma semente
Como
a gente faz número.
E
tudo é uma questão de soma.
Se
até hoje a hipotenusa é confusa porque cabe a mim, de repente, a solução?
(Dolores
faz as contas, refaz, e grita alucinada: - Caiu “dois”...).
Como
a gente faz número.
Dolores deixou
um bilhete
Estou
mais ou menos.
Mais
para menos.
Mas
nem somei.
Comi
um pão dormido.
Misturei
com minha insônia.
Chá
de sumiço é café pequeno.
A
coxinha de galinha que comi me fez mal.
E
ainda insistem em me oferecer Fanta uva.
Se
eu aparecer morta divulgue esse bilhete nos classificados de Zero Hora,
ao
lado daqueles convites, daquelas moças que fazem tudo...
Muito
obrigada.
-
Por nada, grita Quirina, com um sorriso no rosto.
Faltas
Lá
vai Quirina buscar sede num copo.
Lá
vai Quirina buscar fome num prato.
Lá
vai Quirina buscar amor numa esquina.
Lá
vai Quirina buscar paz num rapto.
(Lá
vai Quirina buscar o mundo num dedal)...
Uma
dose de vodca,
misturada
com pólvora,
disfarçada
com cânfora.
Uma
dose de paixão,
misturada
com dúvida,
disfarçada
com púrpura.
(-
Sem gelo, grita Dolores...).
A tristeza
Tristeza
não se esconde debaixo do tapete.
Tapete
fala.
Tapete
grita.
Tapete
absorve.
Aspirador
de pó não pode ser a felicidade...
Tristeza
tem que ser vivida, degustada, entendida.
(Dolores,
aflita, diz: - Tô precisando de uma faxina...).
Luz de velas
não quer dizer caverna
O
título ficou tão bom que não precisa escrever mais nada.
-
Tá bom, Dolores. Não escrevo mais nada.
A linha que
separa a dor do beijo é invisível
Não
vês minha dor, nem sentes quando latejo palavras.
Pedes
meu sorriso agora e sempre.
Disfarço
um mundo para me dedicar ao beijo.
Minha
dor é um fantasma, correndo por entre corredores e assaltando correntes.
Pedes
agora e sempre meu beijo.
Toda
essa vida, vida essa que é tão minha,
desbocando
num mar, na lida,
perco
o rumo, o mapa, a linha...
(E,
Dolores, brincando com aquele imenso carretel, diz que a linha do trem é
partida...).
Intuição
Tua
blusa vermelha tem um quê de amarelo.
Atenção.
Nosso amor é verde...
Eu
sou verão... e ainda não sei tua estação...
(-
Cuidado com o trem, grita Dolores.).
A intrigante
briga entre a chuva forte e o chão seco
Tem
dias que a gente nem sabe o que quer.
E
querer nada, pode ser querer demais.
E
querer tudo pode ser não querer.
É
como um chão seco apaixonado pela chuva forte,
ter
medo que ela possa ser forte demais.
(O
amor, com certeza, é assim).
-
Deixa chover, grita Dolores, já encharcada.
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