terça-feira, 24 de setembro de 2013

Quirina e Dolores

(Duas mulheres que acompanharam e acompanham minhas poesias e, que agora eu conto um pouquinho sobre elas)

Amores

Quirina escuta o andar de Dolores.
Quirina inquieta escuta o andar de Dolores.
Quirina boquiaberta escuta uma frase de Dolores.
- João deixou recado, Quirina ?
Quirina, com a face rosada e com um beijo marcado no pescoço, responde.
- Que João ? Ah, o João... Esteve aqui. Muito rápido... e deixou um recado...
Mas tinha que ser no teu pescoço, Quirina ?

(Tomaram café juntas anos depois, e riram muito, por muitos anos...)

Hiato

Aquele sujeito, cheio dos adjetivos,
dizendo-se objeto direto, é bem composto,
de simples não tem nada,
Aumenta tudo a cada relato.
Ontem, o vi num bar, bebendo e rodeado de hiatos...

(Quirina leu tudo atentamente, e para definir rapidamente o acontecido, disse: É um problema de língua... e riu muito do que disse...
- Tá falando do beijo ? – gritou Dolores enquanto fazia as unhas...)


O encantador de serpentes

O encantador de serpentes não acredita em soro...
Correr riscos é muito mais que a cura.
Talvez sejamos “encantadores de serpentes”.
Talvez seja preciso sê-los.
Há encantos que nos permitem.
Há encantos que nos preservam.
Há encantos que nos admitem.
Há encantos que nos completam.

Talvez tenhamos que encantar serpentes no dia a dia, para que possamos olhar os encantos que realmente nos completam.

(Quirina, assustada com a poesia, comenta baixinho com Dolores:
- Hoje ele está soltando cobras e lagartos...)

@mor

.com carinho
.com paixão
.com selinho
.com tesão
.com verdade
.com saudade
.com tudo
Contudo não é bem assim... finaliza Dolores.


Afinal de contas I

Afinal de contas, teus números não batem e eu conto até dez.
Dez passos, dez dias, dez recados.
Noves fora, agora é quase tudo...
(Quirina, deixa de fazer número).

Afinal de contas II

Resultado: vou embora.
Noves fora... nada.
No vaso: onze e meia.
No relógio: flor da pele.
Como a gente faz número.
E tudo é uma questão de fração.
Se até hoje buscam o valor do x, porque cabe a mim, de repente, a solução?
Resultado: pode ser que eu fique.
Noves fora... tudo.
No vaso: um despertar
No relógio: uma semente
Como a gente faz número.
E tudo é uma questão de soma.
Se até hoje a hipotenusa é confusa porque cabe a mim, de repente, a solução?

(Dolores faz as contas, refaz, e grita alucinada: - Caiu “dois”...).

Como a gente faz número.


Dolores deixou um bilhete                                                              

Estou mais ou menos.
Mais para menos.
Mas nem somei.
Comi um pão dormido.
Misturei com minha insônia.
Chá de sumiço é café pequeno.
A coxinha de galinha que comi me fez mal.
E ainda insistem em me oferecer Fanta uva.
Se eu aparecer morta divulgue esse bilhete nos classificados de Zero Hora,
ao lado daqueles convites, daquelas moças que fazem tudo...
Muito obrigada.

- Por nada, grita Quirina, com um sorriso no rosto.

Faltas
          
Lá vai Quirina buscar sede num copo.
Lá vai Quirina buscar fome num prato.
Lá vai Quirina buscar amor numa esquina.
Lá vai Quirina buscar paz num rapto.

(Lá vai Quirina buscar o mundo num dedal)...


 Álibi

Uma dose de vodca,
misturada com pólvora,
disfarçada com cânfora.

Uma dose de paixão,
misturada com dúvida,
disfarçada com púrpura.

(- Sem gelo, grita Dolores...).

A tristeza

Tristeza não se esconde debaixo do tapete.
Tapete fala.
Tapete grita.
Tapete absorve.
Aspirador de pó não pode ser a felicidade...
Tristeza tem que ser vivida, degustada, entendida.
(Dolores, aflita, diz: - Tô precisando de uma faxina...).

Luz de velas não quer dizer caverna

O título ficou tão bom que não precisa escrever mais nada.
- Tá bom, Dolores. Não escrevo mais nada.

A linha que separa a dor do beijo é invisível

Não vês minha dor, nem sentes quando latejo palavras.
Pedes meu sorriso agora e sempre.
Disfarço um mundo para me dedicar ao beijo.

Minha dor é um fantasma, correndo por entre corredores e assaltando correntes.
Pedes agora e sempre meu beijo.

Toda essa vida, vida essa que é tão minha,
desbocando num mar, na lida,
perco o rumo, o mapa, a linha...

(E, Dolores, brincando com aquele imenso carretel, diz que a linha do trem é partida...).

 Intuição

Tua blusa vermelha tem um quê de amarelo.
Atenção. Nosso amor é verde...
Eu sou verão... e ainda não sei tua estação...

(- Cuidado com o trem, grita Dolores.).

A intrigante briga entre a chuva forte e o chão seco
                     
Tem dias que a gente nem sabe o que quer.
E querer nada, pode ser querer demais.
E querer tudo pode ser não querer.
É como um chão seco apaixonado pela chuva forte,
ter medo que ela possa ser forte demais.
(O amor, com certeza, é assim).

- Deixa chover, grita Dolores, já encharcada.






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