As velas
A vela espera o vento
O mar alaga a lágrima
A vela apaga com o tempo
A mar disfarça a água
A vela navega livre e afaga
Acessa tal qual o mar
O tempo espera a água
E a vela se recusa a clarear
A lágrima parte com o vento
Navegações de bocas e luares
A paixão perde-se num tempo
Entre outras bocas e outros mares
Para Leminski
Tudo que é correto demais
Desalinha o mundo, a reta
Um trem fora dos trilhos
Vê coisas que não veria
Se estivesse sempre nos trilhos
Para Leminski II
A verdadeira entrega é feita de coisas escondidas
E fugidias
Assim, a entrega torna-se verdadeiramente transparente
A contradição do dia e da noite foi quem inventou as “18 horas”
Para Leminski III
A chuva bate na porta
Assim, o náufrago aporta
Para Leminski IV
O mar adormece num segundo
No outro acorda o mundo
Para Leminski V
No café da noite
Uma frase rasga o silêncio
Abro um pacote de bolacha e adormeço
Me contaram o final e eu não lembro nem do começo
Para Leminski VI
Não ter o que lembrar é sofrer muito mais quando se tem lembranças
Às vezes a guerra nos faz querer e lutar pela paz
Para Leminski VII
Longe
Esqueci o celular na agência
Quieto
Sem alguém para falar
O mar canta
A noite cai
Como vou acordar amanhã sem despertador?
Preciso me levantar agora
Para Leminski VIII
O que intriga é o interruptor que me atiça
E depois não liga
Escuridão é um elo
Tua foto com o rosto vermelho
Virou um sonho amarelo escondido num livro
Converso com o espelho
E não me entendo
Para Leminski IX
O esquecimento é uma linha que mora longe
Mas rompe perto
Quadrinha de um dia de vento
O vento é cedo
A calmaria vem tarde
O amor dá medo
Quando a paixão arde
Para Cecília
Sou muito tarde
Para um amor tão cedo
Para Leminski e para Betty Blue
O corte que vem d’alma
Foi tatuagem de um grande amor
Cortar é um ato de declamação
A paixão é poda
A flor
O canteiro que hoje flora
Já foi dor
Já foi estio
Já foi rosto que hoje cora
Por um amor que não sucumbiu
Tem uma flor que aflora
Que brinca de tatuar meus sonhos
Continua linda e ainda cora
Quando falo desse amor
Que ainda vive mundo afora
E mesmo com o passar dos anos
Continua agora...
Um versinho para a redenção
Um vento rasga a palavra
Que nasceu para ser inteira
Amor sem dor é corte
Vem com força, ama, sonha e crava
Como sendo paixão primeira
Mas chama de nunca o que já foi norte
Café?
Colocaram café na minha agonia
Colocaram café na minha insônia
Colocaram café na minha alegria
Colocaram café na minha poesia
(Dolores não entende ‘bulufas’ e diz que vai preparar uma boa caipirinha)
Solidão
A solidão dos olhos cheios de lágrimas
A solidão das mãos cheias de calos
A solidão dos faróis cobertos de nuvens
A solidão dos poetas em meio a uma multidão sem versos
Achados
Corre Maria
Corre João
João faz poesia
Maria faz canção
João beija sua nuca
Maria faz nega maluca
E se amam pela noite inteira
Como se tivessem tudo
E eu até acho que eles têm
Nunca
Era determinante o nunca
É o máximo que disse foi talvez
Depois de um “quem sabe”
Acordamos juntos, abraçados
Na outra manhã
Decidi que era a hora do nunca
Olhei fixamente nos olhos dela
É o máximo que consegui foi dizer
“falamos disso amanhã”
Acordamos mais juntos, mais abraçados
E os anos passaram
E a vida passou
E o engano ficou tatuado num lençol
A andorinha e o mágico
A andorinha procura o mágico
Pois ela ouviu dizer
Que mágicos fazem sorrir
E desaparecem para esquecer
A andorinha é tão sozinha
É triste por uma paixão
E pensa que apenas uma varinha
Traga de volta o verão
O mágico ao ver a andorinha
Ficou solene e de joelhos
Disse: “quem voa é feliz
E tirou da cartola seu último coelho
A rua
A rua inteira não canta
Não tem dentes para morder
Nem bocas para sorrir
Nem areias para escrever
Nem telas para colorir
A rua inteira não canta
Não tem palavras para compor
Nem lábios para beijar
Nem lenhas para queimar
Nem frases de amor para dizer
A rua inteira não canta
Não almoça
Não toma café
Não janta
Que alimento essa rua ingere senão o pão dormido que beira agoniado a esperta insônia?
Tortura
Tudo o que agora penso é penso
Desequilibra com a primeira fala contrária
Contrária a felicidade
E tudo que agora penso, cala
Insegurança de um cais que balança o mar
Trêmula mãos de um primeiro encontro
Um sopro que aparenta um forte vento
O destempero dos amantes ao não esconder seus beijos
Tudo o que agora penso é penso
Se move
Engana a frase exata
Desequilibra
Pois as metades pesam diferentes
Difusas
Perdem-se na escuridão
E tudo o que agora penso, apaga
Tempero
Olha o tempero bom que tem... sal da terra e do mar e da poesia de querubins e de andantes de bar... ela é todo mar... Jorge, Ogum, Meu Deus, Oxalá... ela é todo cantar... Olha que tempero bom, vai mel, vai pimenta, vão ervas finas e salsinhas... que tempero bom que ela tem... quando a leio eu misturo bem suas palavras, extraio delas todo o querer... tempero assim meus dias e minhas noites... ah... que tempero bom que ela tem...
I Quadrinhas de outubro
Anoitece sem entender
Que a razão é vã
Que o acaso dá prazer
Que me faz assim navegar
Longe, muito longe do seu corpo
Naufrago sempre em outro mar
III
Nenhuma mensagem no celular
Que saudade do correio
Ou da mensagem em garrafa via mar
Medos
Acendo a luz
A claridade me faz não enxergar
Tua boca perde-se na noite escura,
Que eu teimo, por medo, não beijar
Joga comigo general
Todo o vôo da Bia
Era assim tão natural
Tinha sol no seu olhar
Sua vida tinha sal
Vestido
Nelson virou cotidiano
Nada mais deixa rubra a moça
Nem o passar dos anos
Romance
Foi numa noite na Barra
Ao navegar de canoa
O cantor viu um lume
Que vinha lá da Lagoa
Tinha faíscas de céu
Vestido preto e vassoura
Teu olhar é um feitiço
Linda flor de laranjeira
Um chá bebido num gole
Poção menina faceira
E quando viu o cantor
Nasceu a paixão primeira
Não importa
Se foi bruxa ou princesa
Se foi rainha ou sereia
Se tinha casa na lua
Se tinha castelo de areia
O que vale foi a paixão
Que nasceu nas Rendeiras
Roda a vida, destino
Move o tempo, sereno
Sonha com a moça o menino
E canta a canção do Engenho
Nas folhas dos calendários
Verdes como teus olhos
Olhares incendiários
Gira a roda, moinho
Move o teu coração
As águas onde navego
Nasceram desta paixão
Tenho um Engenho na vida
Feito receita de pão
E gira a rosa dos ventos
Até virar floração
Na lembrança viva que tenho
O meu boi volta pra rua
E canta a canção do Engenho
Canta Engenho canta
Deixa o mundo rodar
Se a vida tá cansada
Deixa a vida vadiar
Letra dedicada à: Chico, Muniz e Alisson
Vou encontrar meu final feliz – Minhas mulheres
Quirina
Betty Blue
Dolores
Uma flor
Uma narradora
Um amor primeiro
Sete “marias”
Sete nomes
Sete sinais
Minhas mulheres
Minhas paixões
Minhas meninas
Paixões
Eu estou andando sem estrada
Numa cilada que eu mesmo armei
Na boca um beijo guardado
Quase tatuado, resguardado, feito vinho bom
Nas janelas passam cores que eu nunca vi
E eu jogando conversa fora sem cor
As possibilidades são como chuvas
As vezes inundações, as vezes estios, e vão e passam
Quero encontrar minha estrada
E a boca da mulher amada que ainda amarei
Sei que não está tão longe, sinto que arde e vou encontrar meu final feliz
Que vi num filme na sessão da tarde
Chuva
Uma chuva intensa bate à minha porta
Pedindo para me encharcar
Diz que vivo assim muito seco
Sempre com medo de me molhar
Eu quero o amor da minha vida
Feito a música do Cazuza
Nem que seja inventado
Como a poesia que eu fiz e nunca foi lida
A chuva cai e me leva
Não quero mais àquele amor
Pro café
Pro almoço
Pra janta
Quero um amor sincero, sem tempo, sem data,
sem explicações para tudo, para todos, para sempre...
Seco agora só o vinho... que venha a chuva...
Falas
Existe uma sombra na noite que não termina
Passam manhãs, passam dias, meses, anos e ela continua ali
Uma ferida aberta em mar aberto,
Uma vida cansada em corpos cansados,
Todo um grito que não se ouvia,
Agora explode em silêncio e agonia
Ser escritor é uma ferida aberta sempre,
Levamos para a vida tristezas em linhas da mão e precisamos lê-las,
A felicidade precisa de leitura
Mas dói muito, cansa, absorve
Muitas vezes nos entregamos a um silêncio profundo e arrepiante,
Tal o menino de poucos anos vendo um filme de terror e não querendo mostrar medo,
Ou recebendo os carinhos da prima e não querendo mostrar medo
Guardo tudo em si,
Em notas que somente “eu” entendo
Bebo
Todo àquele vinho que sinto,
àquele chileno seco, tinto
trouxe-me palavras que queriam gritar
mudas por tanto tempo
puderam agora falar e em vez de sopros vieram ventos
liberdade começa assim
liberdade para sentir, para viver, para amar
agora posso
Primavera
A flor da pele na primavera arrepia mais, pétala por pétala. Incendeia , faz contato com o luar ... vem e não espera, a presença da pele aflora a flor e provoca o tempo... colher é um beijo entre canteiros e bocas, procuro enlouquecidamente a tua boca.
Recaída
quem sou eu para policiar meu coração?
Viver sensações que se transformam em palavras, só é permitido a seres iluminados puros de coração. Felizmente, sorver estas sensações convertidas em palavras é puro deleite para aos minimamente letrados como eu.
ResponderExcluirHá braços e abraços ao ilustre amigo.
Marcão
Êta poeta arretado... acaba com agente, em qualquer estação... mas na primavera
ResponderExcluiré... acaba com a gente!
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