quarta-feira, 30 de abril de 2014

Caleidoscópio
                           
Tua boca encharcada.
Teu corpo coberto de gemidos bons.
Correntezas que me fazem chegar aos teus poros.
Coro de uma noite silenciosa,
“Gritando-nos por dentro”
Tua imagem me dá fome, sede.
E só tua imagem e corpo para saciar o tudo.
O prazer percorre nossas veias.
Invade minha poesia.
Alucina minhas aldeias.
Tua química brinca com minha alquimia.
Beijo coberto de oitavas intensões.
Gemidos feito canções.
Corpos costurados com linhas.
Gozo nos fazendo voar.
Quero morrer junto ao teu ventre.
Uma lente feito um espelho convexo,
Que transforma o mundo e aumenta meu desejo.
Teu corpo me fala “entre”.
Teu corpo me deixa sem nexo.
Minha língua encharcada navega em tua boca.



Abril

Invariavelmente a certeza devora a ocasião.
Mesmo assim o menino acaso disfarça e deixa a razão.
Talvez o amor seja um fato que precise de uma segunda opinião.
Talvez a dor seja o primeiro ato de uma peça chamada paixão.
Talvez eu nunca tenha amado de um jeito tão sincero.

Origami

Dobraduras do tempo.
Harmonia.
Calma.
Concentração.
A vida é assim.
Dobras com cuidado.
Dobras com carinho.
Dobras com cautela.
Dobras com exatidão.
Dobraduras do tempo.
De repente a imagem, o fato, a construção.
Meu coração origami reinventa-se e “se” dobra.






Antigos amores

Nunca tente recuperar antigos amores.
Nunca alimente a esperança que antigos amores retornarão iguais.
Antigos amores são para serem lembrados, bem lembrados, com saudade e alegria.
Foram vividos, bem vividos.
É um erro tentar resgatá-los.
Temos a grande possibilidade de perdê-los para sempre.
Deixe-os onde estão.
Estão bem guardados, com certeza.
Estão bem guardados em lugares especiais e seguros.
E assim, serão eternos...paratoda nossa vida... os antigos amores.

Dona Zica e Cartola
                     
“Me” liga e diz o que acontece.
Declame feito Dona Zica.
“Me” ligapara que eu não fique sozinho.
Declame “a vida é um moinho”.

Equando quiseres, minharosa,
Lembre que amor não se aprende em escola.
Assim te chamarei de Dona Zica.
E sonho que um dia me chames de Cartola.









Declaração de amor rasgado

Rasgou minhas cartas,
rasgou minhas fotos,
rasgou meus livros,
e, por último,
rasgou as próprias roupas,
e fizemos amor na sala...

Abril II

A linguagem da liberdade
tem uma boca faminta
que engole o mundo e as palavras
e guarda no coração milhões de tintas...
Uma aquarela de vidas,
uma festa profana e ao mesmo tempo tão distinta.
Enamorada pelo encontro
e apaixonada pela partida.
abriu o livro,
abriu a porta,
abriu o tinto seco,
abriu a carta
(Depois de um março com chuvas...abril...)



Outono da minha face

Quem olha agora a minha face
Não imagina a cor que nela havia.
Estou outono.
Folhas secas.
Metade vinho tinto.
Metade abandono.
Sou hora do plantio em época de estio.
Quem olha agora minha face
Beira a flor da pele e o arrepio.
Estou outono,
Esperando, sem mangas, o frio...

Quando se vai

Dói por dentro. Dilacera.
Pá de cal. Pé de guerra.
Punhal no peito. Alma calada.
Sono sem leito. Beijo sem jeito.
Abraço de cilada. Amor quase perfeito.
Oração subjetiva. A procura do sujeito.
A procura da própria vida. Objeto num olhar direto.
Dói por dentro. Toda e qualquer despedida.


Só pra te olhar

Vou aproveitar a chuva para lavar a alma,
para disfarçar a lágrima,
para limpar o poço...
Vou aproveitar a chuva para lavar o sábado,
para disfarçar a seca,
para limpar "o posso”...
Vou aproveitar a chuva para lavar a terra,
para disfarçar a vodca,
para limpar“o nosso”...
Vou aproveitar a chuva para lavar o quintal,
para disfarçar o mar,
para limpar“o bom moço”...
Vou aproveitar a chuva para lavar as mãos,
para disfarçar o tempo,
para limpar a vidraça...

Desencontros                                                                                                   
                      
Falava-me de luas enquanto eu dormia
ao acordar com um sol intenso
não estavas mais
pelos detalhes sentia tua presença
quebra-cabeças com peças tão iguais






Manhãs

A linha do meu coração usa um terno pelo avesso
e dança em bailes de lembranças que eu guardava em segredo.

Aprendiz
          
Chegou um minuto atrasado.
Chegou meio assim, de lado,
desculpando-se pela vida,
pelos maus tratos...
Contou sem ninguém perguntar,
todos os seus atos,
todos os seus erros,
seus amores
e sua solidão...
Chegou um minuto atrasado...
Quando perguntaram o seu nome,disse baixinho:
- Meu nome é coração.

(depois, fechou-se num canto,
e, como por encanto, disse adeus e virou paixão...).


Febre

Uma sensação sem cor me atravessa.
Embora não fale, não cala.
Invariavelmente estanca cada passo meu.
Um punhal ferindo a própria ferida.
Um jogo onde a dor supostamente venceu,
Sem que a existência se desse por vencida,
Ficando exposto aquilo que o poeta ainda não escreveu...
Assim fica entendido o mágico encanto dessa vida.
A vida é uma longa febre.

Um verso de pé quebrado

Um verso de pé quebrado deixa recados no gesso.
Ninguém passa nesse mundo,
falando de amor e saindo ileso...

Um verso de pé quebrado demora um pouco mais para chegar.
Mas rima luares com ondas e mares,
e canta como quem se encanta em cantar...









O sonho que eu não te contei

Sonhei com teu corpo,
pois meu coração diz que ele é meu porto.
Navego em sonhos de asas...
Mesmo na distância vejo nos dois,
como fossemos uma única casa.
Busquei lá de dentro meu sorriso.
Um resgate que é só teu.
Tenho na boca o gosto da liberdade,
que me faz viajar a cada beijo sonhado,
De um desejo que nunca morreu.

Nos meus sonhos fazemos amor pelas varandas,
recitamos Quintana pelas manhãs,
viajo sem tempo pelos teus lábios.
Pecamos muito além de qualquer maçã.
Estamos longe mas estamos tão perto.
O tempo ensinou a sermos ímãs.
Com tua companhia deixei de ser deserto,
plantei na pele a mais bela flor,
planejo um rapto sem deixar pistas.
Quero pintar meu mundo com a tua branca cor.








Chuva, sol, lua e mar

A chuva era uma moça fina.
Cheiro de leite. Flor da idade.
E, com seu jeito de menina, não sabia que no fundo,
poderia ser uma tempestade.

O sol imaginava-se sempre repleto.
Pelo seu brilho não temia nada.
Achava-se o mais belo, o mais completo.
Chorou, quando conheceu a madrugada.

A lua, mulher de olhos ardentes,
emoldurada por estrelas,
procurava entre tantas lentes,
alguém que desejasse realmente tê-la.

O mar era um velho pescador,
com tesouros escondidos n’areia...
Diz que nunca conheceu o amor,
vive nas esquinas entre sereias...







Inspirações

Toda vez que me permitia
Recorrer ao que não sabia
Brilhava os olhos do acaso
Iluminando meus dias !

Manuel dava bandeira
Para uma musa Cecília
Toda vez que se permitia
Recorrer ao que não sabia !

Que seriam dos anjos de Augusto
E das pessoas de Fernando
Se todas as palavras da boca
Passassem no mundo voando ?

Toda vez que me permitia
Recorrer ao que não sabia
Quintana conversava na varanda
Iluminando meus dias !

Lareiras

o meu corpo veste roupas novas
minha alma rejeita
não acolhe
ela quer o velho cachecol do tempo
que aquece minhas velhas poesias




Impulsos

Aprendi desde cedo a cortar os pulsos,
a morder a língua,
a cheirar o gás...

Aprendi desde cedo que somos avulsos,
que morremos à míngua,
que felizes jamais...

Aprendi desde cedo a brigar com o mundo,
a correr o risco,
a amputar a alma...

Aprendi desde cedo que o pouco é tudo,
ajuntar o cisco,
amanter a calma...

Aprendi depois, com o tempo,
que somos gigantes,
e que mais adiante viveremos em paz...

Aprendi depois,
sem querer,
que somos um verdadeiro caso de amor...



Alimento

Minha boca
gosta do
gosto da
tua...

Em todos os sentidos
Em todos os gemidos

Minha boca
gosta do
gosto da
tua...

Em todos oslugares
Em todos os luares...

Minha boca
gosta do
gosto da

tua...
Bêbado

Toma café,
toma vergonha,
toma ônibus,
toma banho,
toma jeito,
toma cachaça...

E quando quiseres...
Toma meu coração.


Motivo

Quando uma corda puxa a noite
O dia vai e se enforca de ciúme.
Quando uma corda puxa o dia
A noite vai e ser enforca de ciúme.
Quando chega a madrugada
A noite e o dia se enforcam com a mesma corda...


Quirina e Dolores

(Duas mulheres que acompanharam e acompanham minhas poesias e, queagora eu conto um pouquinho sobre elas)

Amores

Quirina escuta o andar de Dolores.
Quirina inquieta escuta o andar de Dolores.
Quirina boquiaberta escuta uma frase de Dolores.
- João deixou recado, Quirina ?
Quirina, com a face rosada e com um beijo marcado no pescoço, responde.
- Que João ? Ah, o João... Esteve aqui. Muito rápido... e deixou um recado...
Mas tinha que ser no teu pescoço, Quirina ?

(Tomaram café juntas anos depois, e riram muito, por muitos anos...)

Hiato

Aquele sujeito, cheio dos adjetivos,
dizendo-se objeto direto, é bem composto,
de simples não tem nada,
Aumenta tudo a cada relato.
Ontem, o vi num bar, bebendo e rodeado de hiatos...

(Quirina leu tudo atentamente, e para definir rapidamente o acontecido, disse: É um problema de língua... e riu muito do que disse...
- Tá falando do beijo ? – gritou Dolores enquanto fazia as unhas...)


O encantador de serpentes

O encantador de serpentes não acredita em soro...
Correr riscos é muito mais que a cura.
Talvez sejamos “encantadores de serpentes”.
Talvez seja preciso sê-los.
Há encantos que nos permitem.
Há encantos que nos preservam.
Há encantos que nos admitem.
Há encantos que nos completam.

Talvez tenhamos que encantar serpentes no dia a dia, para que possamos olhar os encantos que realmente nos completam.

(Quirina, assustada com a poesia, comenta baixinho com Dolores:
- Hoje ele está soltando cobras e lagartos...)

@mor

.com carinho
.com paixão
.com selinho
.com tesão
.com verdade
.com saudade
.com tudo
Contudo não é bem assim... finaliza Dolores.



Afinal de contas I

Afinal de contas, teus números não batem e eu conto até dez.
Dez passos, dez dias, dez recados.
Noves fora, agora é quase tudo...
(Quirina, deixa de fazer número).

Afinal de contas II

Resultado: vou embora.
Noves fora... nada.
No vaso: onze e meia.
No relógio: flor da pele.
Como a gente faz número.
E tudo é uma questão de fração.
Se até hoje buscam o valor do x, porque cabe a mim, de repente, a solução?
Resultado: pode ser que eu fique.
Noves fora... tudo.
No vaso: um despertar
No relógio: uma semente
Como a gente faz número.
E tudo é uma questão de soma.
Se até hoje a hipotenusa é confusa porque cabe a mim, de repente, a solução?

(Dolores faz as contas, refaz, e grita alucinada: - Caíram “dois”...).

Como a gente faz número.


Dolores deixou um bilhete                                                              

Estou mais ou menos.
Mais para menos.
Mas nem somei.
Comi um pão dormido.
Misturei com minha insônia.
Chá de sumiço é café pequeno.
A coxinha de galinha que comi me fez mal.
E ainda insistem em me oferecer Fanta uva.
Se eu aparecer morta divulgue esse bilhete nos classificados de Zero Hora,
ao lado daqueles convites, daquelas moças que fazem tudo...
Muito obrigada.

- Por nada, grita Quirina, com um sorriso no rosto.

Faltas
          
Lá vai Quirina buscar sede num copo.
Lá vai Quirina buscar fome num prato.
Lá vai Quirina buscar amor numa esquina.
Lá vai Quirina buscar paz num rapto.

(Lá vai Quirina buscar o mundo num dedal)...


Álibi

Uma dose de vodca,
misturada com pólvora,
disfarçada com cânfora.

Uma dose de paixão,
misturada com dúvida,
disfarçada com púrpura.

(- Sem gelo, grita Dolores...).

A tristeza

Tristeza não se esconde debaixo do tapete.
Tapete fala.
Tapete grita.
Tapete absorve.
Aspirador de pó não pode ser a felicidade...
Tristeza tem que ser vivida, degustada, entendida.
(Dolores, aflita, diz: - Tô precisando de uma faxina...).




Luz de velas não quer dizer caverna

O título ficou tão bom que não precisa escrever mais nada.
- Tá bom, Dolores. Não escrevo mais nada.

A linha que separa a dor do beijo é invisível

Não vês minha dor, nem sentes quando latejo palavras.
Pedes meu sorriso agora e sempre.
Disfarço um mundo para me dedicar ao beijo.

Minha dor é um fantasma, correndo por entre corredores e assaltando correntes.
Pedes agora e sempre meu beijo.

Toda essa vida, vida essa que é tão minha,
desbocando num mar, na lida,
perco o rumo, o mapa, a linha...

(E, Dolores, brincando com aquele imenso carretel, diz que a linha do trem é partida...).