sexta-feira, 23 de maio de 2014

Luas
           
Repartiram os traumas, juntaram as camas, as coxas, as crises.
Alugaram um quitinete.
Compraram fogão, geladeira e uma garrafa de vinho branco.
Trocaram olhares maliciosos, penduraram um quadro, contaram até quatro.
Ah ! Era quarta.
Beijaram-se muito, muito mesmo.
Perderam o ar, os sentidos e uma pulseira que ela ganhou da tia.
Juraram amor eterno.
Ele , vestiu seu único terno.
E foi tentar, tentar, tentar.
Já era quinta, sexta, sábado, domingo, segunda, terça, quarta de novo...

Capitu

Quando conheci Capitu
capitulei
desenganei

a confiança é um conto
um machado afiado
uma colcha de retalhos
com bainhas de linho

quem nunca se sentiu Bentinho?




Retratos
          
Visto a roupa que eu dizia que não vestiria
Um risco absurdo e surdo que surta
Que não me escuta, que me afasta da luta
Àquele desabafo insensato e lógico vira poesia
E a menina normalista com certeza é filha da dita

Autobiografia

Não é meu choro que chora
É a minha vida que agora sorri
Quis partir, quis ir embora
Mas o meu agora sempre foi aqui

Minh’alma é clara e transparente
Se voei demais foi por intenção
E quem não entendeu esses voos
Foi porque não entendeu meu coração

Sempre fui muito feliz
Porque aprendi que a vida é emoção
Não troco abraço de amigo por nada
Não troco beijo da mulher amada
Se errei foi com muita convicção




Línguas

Eu já nem sei o que meu querer quer me dizer
Talvez esteja mais confuso do que eu
Talvez não entenda que para esquecer
É preciso explicar o que aconteceu

Ao passo que os quereres têm “quês”
E que eles não falam uma mesma língua
O teu querer fala por sinais
E o meu fala somente português

Preciso assim que reflitas e sintas
Que a vida precisa tanto de bem querer
E que o amor pode nascer
Na invenção de uma outra língua

Tudo ao seu tempo                                                                                          

O que estava tão longe se vê à beira
um toque agora desenha o encaixe
com peças de um quebra-cabeça
guardado pelo tempo
um relógio quebrado não retarda hora alguma
tudo ao seu tempo
e o amor não é cúmplice do meteorologista







Aparentemente o querer transparece

Quase por quase não querer que o espelho enxerga não querendo ver
Num instante presume que o amor é constante, noutro beira o acaso
Diz que não quer, que não sente saudade e disfarça assim o querer
E quer que o tempo corra, pois meio poço cheio de um ângulo é raso

Imensidão pode encher parcialmente um dedal
Um vazio pode preencher totalmente o tanto
O vento muitas vezes não quer falar com o varal
E bem no canto do canto mora um canto

Aparentemente o querer transparece II

O amor não deverá impor nem precisará se puder ser o que será
Uma questão de jeito numa imensidão que ele chama de incontido
Num tanto que às vezes parece pouco, mas inteiramente fará
Entenda minha declaração tal um livro misterioso não lido

Nasceu a flor mais linda num jardim indefinido
Mas mesmo assim a beleza existe e se faz presente
O entendimento mesmo não lido faz do livro
Tudo o que o coração diz preciso

O entender vai de encontro ao inexplicável
Seria exato se o encontro se propusesse a não se conter
O silêncio nas entrelinhas grita inteiro em descompasso:
Que uma grande paixão pode sem querer desaparecer














Canção de Betty Blue

Quando tudo estava a se perder
E o caminhar acenava em não voltar
Quando o desejo mentia para o querer
E o querer queria se enganar
Quando o riso não fazia tanta falta
E o abraçar desprendia-se do corpo
Quando a febre da paixão não era mais alta
E da paixão não se sentia nem um sopro

Quando o olhar dentro dos olhos mudava os sentidos
E o mais que tanto não enchia os nossos mundos
E a cena do beijo realmente era encenação
Viu-se distante todo o amor que se havia vivido
Não havia mais palavras nem gestos, só olhos fundos
A dor veio, tal uma lança cruel e cega, e levou meucoração

...

Mora um mar em teus olhos e eu me banho...
Feito o ar

Medida desmedida
Contida, sentida, amada
Muitas vezes, recriada
Por faltar fazer sentido
E ao mesmo tempo precisa
Inteira feito um vento
Que abala e direciona
Medida que não se clona
Um ciclone feito do desejo
Do teu beijo
Que nunca me abandona
És um soneto que não se conta
Que se guarda e que se vive
Que jamais me deixa triste
Por que amar deve resultar sorrisos
Somente teu olhar agora me faz sentido
Por que escolher um amor
É escolher o ser querido
Independente do triz
Da medida desmedida
O importante é que nasça da escolha
E de uma alma feliz













Seca

Que chuva tamanha que beija a seca,
A minha seca boca.
Chuva que molha as roupas do passado
E dá febre.
Uma febre tamanha que queima a seca,
A minha seca boca.
Uma sensatez louca.
A previsão é que a chuva tamanha não pare,
Então, que encharque.

Espumas
                                                                                                             
Vejo a tristeza que se espelha.
Ao ver minh‘alma que parte.
Felicidade é um fogo de palha.
Que queima, que provoca, que arde.

Mora um hiato que teima em provocar.
Um abraço de esquina que não se esquece.
Vez por outra vens feito onda de mar.
Quebra, insinua e desaparece.







Embarcações
          
Vislumbrava a cor daqueles olhos que há tanto não via.
E lia nas entrelinhas da noite escura uma claridade.
Olhos de dor, mas ao mesmo tempo de inundação de mar.
Provocações de bar e recados em guardanapos.
Saudade recém-chegada.
Saudade embarcada.
Saudade distraída.
Caída diante dos olhos sonhados.
Caída deliciosamente sobre o corpo.
Caída intencionalmente no colo querido.
Vislumbrava a cor daqueles olhos,
Para poder estar mais perto daqueles olhos tão amados.
Incendiados por uma solidão incontida.
Detalhada em sonhos que vivi acordado.
Vislumbro tua chegada todos os dias, todas as manhãs.
Quando da tua chegada descreverei realmente o que seja claridade.
E entenderás todo o tamanho das palavras que escrevo agora.

O Quando                                                            

"Quando" era um menino sozinho...
apaixonado pela menina dos olhos
mas "Quando" sempre esperava o tempo exato
e o tempo exato nunca chegava.
ah... até quando, Quando, até quando...



Dolores deixou um bilhete                                                              

Estou mais ou menos.
Mais para menos.
Mas nem somei.
Comi um pão dormido.
Misturei com minha insônia.
Chá de sumiço é café pequeno.
A coxinha de galinha que comi me fez mal.
E ainda insistem em me oferecer Fanta uva.
Se eu aparecer morta divulgue esse bilhete nos classificados de Zero Hora,
ao lado daqueles convites, daquelas moças que fazem tudo...
Muito obrigada.

- Por nada, grita Quirina, com um sorriso no rosto.

Faltas
          
Lá vai Quirina buscar sede num copo.
Lá vai Quirina buscar fome num prato.
Lá vai Quirina buscar amor numa esquina.
Lá vai Quirina buscar paz num rapto.

(Lá vai Quirina buscar o mundo num dedal)...



Álibi

Uma dose de vodca,
misturada com pólvora,
disfarçada com cânfora.

Uma dose de paixão,
misturada com dúvida,
disfarçada com púrpura.

(- Sem gelo, grita Dolores...).

A tristeza

Tristeza não se esconde debaixo do tapete.
Tapete fala.
Tapete grita.
Tapete absorve.
Aspirador de pó não pode ser a felicidade...
Tristeza tem que ser vivida, degustada, entendida.
(Dolores, aflita, diz: - Tô precisando de uma faxina...).












Luz de velas não quer dizer caverna

O título ficou tão bom que não precisa escrever mais nada.
- Tá bom, Dolores. Não escrevo mais nada.

A linha que separa a dor do beijo é invisível

Não vês minha dor, nem sentes quando latejo palavras.
Pedes meu sorriso agora e sempre.
Disfarço um mundo para me dedicar ao beijo.

Minha dor é um fantasma, correndo por entre corredores e assaltando correntes.
Pedes agora e sempre meu beijo.

Toda essa vida, vida essa que é tão minha,
desbocando num mar, na lida,
perco o rumo, o mapa, a linha...

(E, Dolores, brincando com aquele imenso carretel, diz que a linha do trem é partida...).






Intuição

Tua blusa vermelha tem um quê de amarelo.
Atenção. Nosso amor é verde...
Eu sou verão... e ainda não sei tua estação...

(- Cuidado com o trem, grita Dolores.).

A intrigante briga entre a chuva forte e o chão seco
                     
Tem dias que a gente nem sabe o que quer.
E querer nada, pode ser querer demais.
E querer tudo pode ser não querer.
É como um chão seco apaixonado pela chuva forte,
ter medo que ela possa ser forte demais.
(O amor, com certeza, é assim).

- Deixa chover, grita Dolores, já encharcada.


Resposta
                     
Fico esperando uma maneira de explicar um sim...
Abro a mente, o livro e uma lata de tônica.
Onde estará o gim?
Enfim, a febre é alta, mas não é crônica.
Dolores riu muito quando leu estes rabiscos. Aproveitou, e com um sorriso maroto no rosto, disse: - Fui eu...
- Eu o quê, Dolores?
- Fui eu quem pegou emprestado o gim, respondeu-me, já um tanto “alegrinha”...
Mas o teu sim eu não sei quem levou...concluiu.

O amor é um tesouro
                   
O amor é um tesouro.
Deve, por ser precioso, ser escondido?
(Quirina lê rapidamente, arregala os olhos, “pensa alto”...
- Tesouro? Escondido? Precioso?
Vira-se pra mim e diz, secamente:
- Pode começar a responder a pergunta. Agora. Já.
Aproveitei um descuido dela e pulei a janela.
- Que perguntinha marota eu fui inventar...



Um silêncio que grita

Qual meu norte, Dolores, qual meu norte?
Dolores diz ... “Minha bússola toma café comigo e já não faz mais sentido”.

Sopa de letrinhas
                    
Ah... tem dias que todos os dias são dias“D”,
e nem sempre na hora “H”colocam os pingos nos “IS”.
Todo mundo corre atrás do “X”da questão.
Outros buscam o ponto “G”.
Ah... troca-se uma letra e muda-se tudo.
Troca-se uma letra e muda-se o mundo.
Mala, sala, cala, fala, rala, bala...
Ah... Queria a receita,
queria a letra,
queria o mapa,
queria a dica,
queria ao menos uma pista.

Ah... Quirina lê tudo com atenção, como sempre faz, enche a colher e comenta:
- É sopa, mas não é sopa este mundo.

(Vai entender os riscos e os sabores dessa vida...).



O chá das cinco

Filmes em preto e branco não se deve colorir
São belos assim.
Deve-se ler o romance inteiro, e não começar pelo fim...
Queijos e vinhos devem ser degustados com calma,
sem tempo, sem telefone,sem campainha.
Ao escutar uma música, abra os ouvidos,
mas não se esqueça de abrir também a alma...

(Cleomar leu com o olhar de anjo de que tem, olhou Quirina e disse:
- “O entardecer pertence aos que amam os dias e as noites”.
Quirina, encantada, sorriu e trouxe duas xícaras de chá de maçã).

Quintana e a solidão                                                                         
                     
Quintana tomou chá comigo na Páscoa.
Trouxe biscoitos e um papel de chocolate com um escrito seu.
Tomamos chá, sumimos por instantes e mostrei um escrito meu.
Num ninho próximo um coelho cochilava, sem a mínima noção do tempo.
Quintana sorriu, despediu-se e aconselhou colocar rum no chá...







Todo o tempo do mundo num só instante de dor

O tempo cura tudo, Quirina ?
Depende o tempo, responde Quirina, olhando pra uma manhã linda e clara.
O que cura mesmo é uma tempestade bem forte.
Só assim nascem manhãs iguais a esta.
Ah, Quirina... tens tempo... tens tempo...

Interiores

Dolores foi à farmácia para comprar tranquilidade.
Tomou comprimidos bem fortes para ver todas as cores.
(Quirina, indignada, num só grito resume:
Que adianta pintar a fachada, sem colorir os interiores?).

Das interpretações

Quirina comprou um sonho num domingo de sol e de creme...
E tudo parecia suficientemente completo...











A solidão de Quirina
          
Quirina e seu vinho tinto.
Seco, como a vida, ela insiste em dizer.
Mas não são goles tristes, esclarece.
São devaneios que a solidão tece,
embalada pela cadeira do tempo,
como se a felicidade estivesse contida em uma taça,
que fora quebrada pelo vento...

A solidão de Dolores

Dolores e seu vinho branco.
Suave, como a vida, ela insiste em dizer.
Mas não são goles suaves, esclarece.
São modos de entender algum desgosto,
que procuram esconder o que a solidão tece,
como se a tristeza estivesse contida em uma taça,
servida em uma manhã fria de agosto...





Crônicas de um mundo bem contemporâneo           

Ensaiou uma crônica
deixou um bilhete
pediu gim
implorou uma tônica
ensaiou a bula
escondeu a receita
Quirina é louca
mas aproveita
o sol acorda
a lua deita
a vida é simples
e se ajeita

Pequena canção de um céu da boca estrelada depois de um dia de sol

Abriu a carta, a janela e uma garrafa de vinho branco seco.
Abriu o coração, a caixa de fotos e até a flor do vaso abriu.
(Quirina que passava por ali, abriu um longo sorriso e a noite em que se encontraram ainda não terminou...).


O vestido de Quirina (coisas corriqueiras)   

Quirina comprou vestido novo, vermelho, bem curto, rendado, de alças, rodado
Quirina foi à padaria e Dolores não a reconheceu.
Dias depois Quirina contou o fato e Dolores respondeu: "Pensei que ‘fosse’ um bolo"...
Quirina arremessou um vaso de flores em Dolores.
Hoje já fizeram as pazes.
E o vestido em questão virou um porta gás - comenta Dolores, com um riso maroto.

Quirina 40 graus                                                                                

Ferve,
Arde,
Queima,
Provoca.

Água na boca,
Água na bica,
Água no beco,
Água na barca.

Quirina bebe todo o mar,
Quirina bebe o verão,
Quirina bebe de canudinho
toda a inundação.

- Larga esse termômetro, Quirina... Nada poderá te medir...








O tempo e o vento e outros livros

Haveria possibilidade do tempo beijar as perdas
Se houvesse o vento da espera deitado no destino mesa
Onde além de outras coisas se pudesse entender da tristeza
E só assim então procurar o resgate do alimento franqueza

O verbo perder não compreende toda a exata compreensão
Pois nele estão contidos as amarguras e os ventos da solidão
Então, amigo, é preciso vasculhar o entendimento
É ver com olhos da verdade que é preciso dar tempo ao tempo



Dizeres

O amor deve regar à flor da pele
Por que o que arrepia, cutuca, aproxima
É uma cachaça, uma ambrosia
Um sentimento que dá gosto, alegria
Que provoca o querer, alquimia
Que remexe, bole, mistura
Que dói, que deixa a face rubra, que cura





sexta-feira, 9 de maio de 2014

Um conto de sarda

Uma menina com sarda
Brincava atrás da cortina
Desenhava uma fada
A solitária menina

Queria que a fada
Num toque de sua varinha
Retirasse do seu rosto a sarda
E ela detrás da cortina

A fada não entendendo nada
E achando tão bela a menina
Num toque doce de fada
Desapareceu com a cortina...
Quadrinha do querer e da liberdade

Deixe aberta a janela do destino
Para a vida não ficar, assim, tão tonta
E quando, por encanto, tocar o sino
Deixe o amor, em liberdade, tomar conta
LIQUIDIFICADOR 

Àquele que estudava cartografia
E via seus mapas jogados num liquidificador
Beirava abismos inteiros, e cafés amargos para acordar a poesia
Insônia de mares, pernoites em estradas, olheiras sem cor

Entenda que a sobriedade dos dias passa pela noite e por um bom vinho
Bêbado é o destino, mas é preciso... E ser preciso medida não há
Se todo mundo diz que é preciso ir, por favor, não vá
Multidão é a melhor maneira de se sentir sozinho

Olhos verdes de um gato que percorre em riscos nossa noite
O que sangra, muitas vezes, mora longe do açoite
E se a vida nos coloca a frente de um liquidificador
Deixe-se misturar, o sumo que resiste e colore é o amor

Os pincéis correm por papéis brancos que a vida escolhe
Os desenhos são linhas da nossa alma
Às vezes uma tela demora uma vida, depois se colhe
O tempo é contado por folhas de calendário e por doses homéricas de calma

O que quero em todos os sentidos mora sempre na paz
Não quero o que me faz perder tempo e não poder te beijar ainda mais
Pano para manga também aquece 

Costuram linhas, fazem chuleios, em panos quentes
Incandescentes tecidos, agasalhos de inverno forte
Linhas apaixonadas por encantadas pandorgas
Ventos inteiros a levar velas em busca do sonhado norte

Linhas de horizontes coloridos, linhas verticais a subir sem medo
Encontros de linhas, trens do nosso destino a desenhar caminhos
Navegações sem bússola a desvendar todos os segredos
Cobertores que em noites de frio jamais nos deixam sozinhos

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Um conto de sarda

Uma menina com sarda
Brincava atrás da cortina
Desenhava uma fada
A solitária menina

Queria que a fada
Num toque de sua varinha
Retirasse do seu rosto a sarda
E ela detrás da cortina

A fada não entendendo nada
E achando tão bela a menina
Num toque doce de fada

Desapareceu com a cortina...